Mário Coelho
Anunciada no mês passado para investigar contratos para a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a CPI da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) corre o risco de não ser criada. Desde que o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) apresentou o requerimento aos colegas, pelo menos 66 parlamentares de diversos partidos já retiraram suas assinaturas. Para criar uma comissão parlamentar de inquérito, é necessário o apoio de pelo menos 171 deputados.
Para chegar ao número de parlamentares que retiraram o nome da CPI, o Congresso em Foco usou como base uma lista publicada por Garotinho em seu blog. Nela, 42 já tinham desistido de apoiar a iniciativa. Outros 24 deputados já apresentaram o pedido de retirada formal à Mesa Diretora da Câmara. Clique aqui para ver a relação dos deputados que desistiram da CPI.
Os argumentos para a retirada das assinaturas têm como origem a preocupação dos parlamentares com a organização da Copa. Como as obras estão atrasadas, eles dizem que uma devassa patrocinada pela CPI pode atrapalhar ainda mais os andamentos dos trabalhos para 2014. No entanto, a construção de estádios e a reforma de aeroportos, casos mais críticos hoje, não são de responsabilidade do Comitê Organizador Local (COL) nem da CBF.
“Uma CPI nesse momento poderia inviabilizar o andamento do projeto da Copa no Brasil. Acredito que existem outras formas de o Legislativo fiscalizar a atuação da CBF e dar as respostas que a sociedade precisa. O melhor para o desenvolvimento do projeto da Copa do Mundo é continuar fiscalizando e debatendo em busca de melhorias nos projetos”, disse o deputado Marcelo Aguiar (PSC-SP).
Mas este não é o único argumento usado para não endossar a investigação. A bancada do PT, por exemplo, decidiu não assinar nenhum pedido de CPI que possa respingar no governo de Dilma Rousseff. A única que teve o sinal verde foi a CPI do Trabalho Escravo. As outras devem ser ignoradas. ?A coordenação de bancada solicitou que não assinássemos a CPI?, disse o deputado Luiz Couto (PT-PB) ao Congresso em Foco.
Domingos Dutra (PT-MA) foi outro que retirou a assinatura. No entanto, por um motivo um pouco diferente do seu colega de partido. Ele reclamou de Garotinho ?nunca ter explicado a fundo? o objeto da CPI. Dutra revelou que ligou para o deputado fluminense pedindo o requerimento. E nunca recebeu. ?Meu nome está na CPI dos Pardais, mesmo contra a determinação da bancada. Não é isso que faria eu tirar minha assinatura?, garantiu.
Ainda existe uma parcela de deputados que se diz satisfeita com as explicações fornecidas pela CBF. Sandro Alex (PPS-PR) é um deles. Ele assinou o requerimento e, ao mesmo tempo, pediu informações à Confederação Brasileira de Futebol sobre o contrato que embasa o pedido de abertura de CPI. ?Eles me enviaram toda a documentação. Eu analisei e acho que, neste caso específico, não deve haver investigação. O que não impede, porém, de existir outras investigações?, ressaltou.
Suspeita de favorecimento
O requerimento tem como base para investigação o contrato social registrado na Junta Comercial do Rio de Janeiro, reproduzido pelo jornal esportivo Lance, que mostra que o Comitê Organizador Local (COL) da Copa é uma empresa da qual o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, tem 0,01% das ações e a entidade, 99,99%, mas permite que os lucros sejam divididos entre os sócios independentemente das proporções.
Por isso, acredita Garotinho, Teixeira poderia se apropriar sozinho de todos os lucros da Copa do Mundo. Em 2006, o comitê da Copa da Alemanha lucrou 263 milhões de dólares. Por conta da reportagem publicada pelo diário esportivo, a CBF afirma que o contrato foi modificado. Em nota publicada no seu site, a entidade informa que a previsão de divisão de lucro de forma desproporcional foi retirada do documento.
Estratégia
Garotinho anunciou no mês passado que estava próximo de protocolar o pedido de CPI. Anunciou, na época, ter 114 assinaturas. Na última terça-feira (19), o ex-governador do Rio disse ao Congresso em Foco que chegou a contar com mais de 200 apoios. Porém, com a retirada de pelo menos 30 nomes, ficou próximo do número mínimo necessário. ?Eu quero apresentar o pedido com um bom número de folga para não correr riscos?, afirmou. Os parlamentares têm até o último minuto do dia em que o documento é protocolado para desistir do apoio. Várias CPIs já foram abortadas no último instante por pressão do governo sobre parlamentares da base aliada, tanto na gestão tucana quanto na petista.
Em 16 de março, o presidente da CBF visitou os principais líderes partidários da Câmara e o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS). Na oportunidade, ouviu dos parlamentares que a CPI não iria adiante. ?Não há clima para CPI?, disse Maia. Entre os líderes, há o convencimento de que a comissão não vai vingar. Eles acreditam que, mesmo que Garotinho consiga o número de assinaturas exigidas, o colegiado não chegará a ser instalado. Para que os trabalhos comecem, os líderes partidários precisam indicar os representantes das respectivas legendas para comporem a comissão.
Oficialmente, os discursos dos deputados estão afinados. Justificam a retirada de assinaturas da CPI com o argumento de não querer atrapalhar a organização da Copa. Nos bastidores, no entanto, revelam o receio de existir retaliação da CBF em cima das federações e dos clubes de futebol de seus estados de origem. Eles não citam casos concretos, mas dizem que a possibilidade de pressão já surtiu efeito.
Por isso, Garotinho mudou sua estratégia. Após fazer um estardalhaço ao apresentar o requerimento, com seguidos discursos no plenário da Câmara, passou a tratar do assunto mais discretamente. Ele garante que parlamentares continuam assinando o pedido. A intenção era apresentar o requerimento na última quarta-feira (20), dia de Congresso esvaziado por conta do feriado prolongado. Mudou de ideia em cima da hora. Disse que a estratégia vazou.
Se ele tivesse apresentado o pedido na quarta-feira, os deputados teriam algumas horas para mudar de ideia e retirar a assinatura do requerimento. O prazo se encerra a meia-noite do dia de apresentação do pedido. Como poucos parlamentares estavam na Câmara à tarde, a estratégia tinha boas chances de funcionar, afirmam parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco. Porém, eles ressaltam que a dificuldade maior virá na instalação e na condução dos trabalhos.
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