Mário Coelho
Depois do Ministério Público Federal (MPF) e da União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar), agora é a vez da própria Consultoria Técnica da Câmara criticar o formato de Regime Diferenciado de Contratação (RDC), o modelo de licitação simplificada que o governo propõe para as obras da Copa do Mundo, das Olimpíadas e dos Jogos Paraolímpicos de 2016. Diferentemente do Ministério Público e os auditores, porém, a Consultoria Técnica não é contrária ao modelo. Mas considera que o projeto precisa ser modificado para corrigir brechas que podem levar a problemas, como superfaturamento ou não execução das obras. Assim, os consultores sugerem mudanças no texto da emenda que cria o RDC. Especialmente quanto à principal inovação proposta pelo governo, a criação da ?contratação integrada?, o chamado ?turn key?, em que a obra é contratada por inteiro e deve ser entregue à administração pública pronta para uso. A atual Lei de Licitações, 8666, proíbe esse modelo de contratação.
Leia a íntegra da Nota Técnica
O texto, assinado pelo consultor de orçamento e fiscalização financeira Romiro Ribeiro, faz quatro sugestões para a deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ), a relatora da MP 521/10, onde a emenda foi anexada. E, principalmente, aponta mesmo riscos que precisam ser evitados com a opção pelo ?turn key?, esse modelo de pacote fechado em que uma única empresa realiza toda a obra, desde o anteprojeto até a execução final.
?Anteprojetos falhos, superficiais, incompletos ou excessivamente genéricos poderão resultar em orçamentos estimativos super ou subvalorizados. Ambas as hipóteses seriam deletérias para a administração. A primeira, por levar a contratações superfaturadas; a segunda, por induzir contratações desequilibradas econômico e financeiramente, sendo previsíveis os atrasos na execução das obras e serviços ou mesmo inviabilidade de o contratado executar o objeto da licitação, caso não haja recomposição da equação de equilíbrio?, avalia o consultor.
No texto do parecer, Ribeiro não se mostra contrário à aprovação do novo modelo de licitação. Ao contrário. Para ele, a proposta deve ser aprovada. No entanto, antes de isso acontecer, é preciso fazer mudanças no texto. O consultor sugere que, na tentativa de evitar superfaturamento ou gastos não previstos, é preciso que os quantitativos e os preços unitários dos itens considerados mais relevantes sejam identificados.
Regra só para Copa e Jogos
O consultor da Câmara também questiona a restrição das obras aos eventos esportivos que o país vai receber entre 2014 e 2016. Para ele, será complicado para municípios, estados e União conseguirem diferenciar o que atende diretamente à Copa e aos Jogos Olímpicos do que não é para as competições. ?Por exemplo, o município ou estado que realizar investimentos em saneamento, transporte, mobilidade urbana etc., com a finalidade de atrair o turista para sua região durante os eventos esportivos, o que é desejável e salutar para a economia local, poderá lançar mão do RDC??, questionou.
Um outro ponto levantado pelo consultor da Câmara é a necessidade de mais instrumentos para fiscalização e controle das obras. O texto da emenda prevê que nas licitações de obras ou serviços de engenharia, após o julgamento das propostas, quem vencer a concorrência deverá reelaborar e apresentar à administração, por meio eletrônico, as planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários, entre outras informações. Ribeiro acha pouco.
O técnico acredita que, além da planilha, é preciso também que a empresa que vai tocar a obra entregue o projeto básico elaborado antes da construção. ?Isso porque o projeto básico constitui-se em documento indispensável para que a administração e órgãos de controle avaliem não só o custo efetivo da obra ou serviço, mas também se a execução está ocorrendo de acordo com o projetado?, sugeriu Ribeiro.
A última crítica feita pelo funcionário da Câmara é sobre a remuneração variável. O texto da emenda acrescentada à MP 521 traz, no artigo 12, a possibilidade de ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho da empresa contratada, tendo como teto o ?limite orçamentário fixado pela administração?. ?Essa expressão, ‘limite orçamentário’, é por demais imprecisa, pois tanto pode significar o valor da dotação constante da lei orçamentária anual, o empenho realizado previamente ao lançamento do edital, ou mesmo o valor orçado da obra e que serviu de base para a contratação?, disse Ribeiro.
Críticas semelhantes
Os pontos elencados pelo consultor da Câmara coincidem com as três críticas feitas em uma nota técnica do Grupo de Trabalho do Ministério Público Federal que acompanha a organização do Mundial a ser realizado no Brasil. O documento critica a empreitada global e a ausência de projetos básicos feitos pelo Estado, principais itens do Regime Diferenciado, previstos no relatório da deputada Jandira Feghali. O parecer da deputada foi lido em plenário na semana passada, mas não chegou a ser votado.
A nota critica três itens do relatório: o alegado subjetivismo dos ?anteprojetos de engenharia?, que vão substituir os atuais projetos básicos feitos pelos governos, conforme prevê a lei 8.666/93; a falta de detalhamento de quais serão exatamente as obras da Copa beneficiadas pelo RDC; a ?obscuridade? dos contratos de eficiência previstos nas novas regras. Os quatro procuradores que assinam a nota acreditam que os governantes terão liberdade demais para agir nas concorrências. ?A obra é pública, e não do administrador?, dizem os membros do GT da Copa, Athayde Ribeiro, Carolina Gusmão, Ana Carolina Tannus e Paulo Roberto Galvão, grupo que trabalha ligado à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
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