Há companheiros que igualam a atual democracia a serviço dos poderosos à ditadura de 1964/85. Geralmente, os que nasceram depois dos anos de chumbo ou eram muito jovens para guardarem uma lembrança mais precisa do arbítrio.
Um pequeno exemplo da diferença entre os dois períodos históricos acaba de ser dado pelo governador Geraldo Opus Dei Alckmin.
Em novembro de 2009, o então governador José Serra, prestes a fazer uma campanha presidencial de orientação acentuadamente direitista, escolheu para reitor da Universidade de São Paulo o segundo colocado na lista tríplice que lhe foi submetida: João Grandino Rodas, menina dos olhos da Tradição, Família e Propriedade.
Rodas tinha o pior currículo possível e imaginável.
Como diretor da Faculdade de Direito da USP, requisitou em agosto de 2007 a entrada da tropa de choque da PM para a expulsão de manifestantes que haviam ocupado o prédio em função da Jornada em Defesa da Educação.
Integrando a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos entre 1995 e 2007, indeferiu todos os pedidos de reparação que pôde – 127 dos 172 processos nos quais atuou -, quase sempre por questiúnculas burocráticas como a de que o prazo para os requerimentos teria se esgotado. Chegou ao cúmulo de negar a participação da ditadura no assassinato da estilista Zuzu Angel, sendo, contudo, voto vencido.
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Depois, como reitor da USP, reviveu os piores tempos da ditadura, ao aquartelar permanentemente a PM no campus universitário, gerando todo tipo de provocações, enfrentamentos e atritos com estudantes, professores e servidores.
Afora as denúncias de corrupção e má gestão que pipocavam desde que era diretor da Faculdade de Direito. Como reitor da USP, foi, por exemplo, acusado da compra de imóveis com preços elevados, extinção de cursos e vagas, terceirização da universidade e aumento do filtro social para a entrada de alunos na universidade.
Culminando com o expurgo de janeiro de 2011, quando Rodas foi responsável pela demissão em massa de 271 funcionários da USP.
Na ocasião, o grande jurista Fábio Konder Comparato e outros quatro professores da USP assim se manifestaram:
“Após declarar-se pelo financiamento privado e pela reordenação dos cursos segundo o mercado, o reitor vem instituindo o terror por intermédio de inquéritos administrativos apoiados em um instrumento da ditadura (dec. nº 52.906/ 1972), pelos quais pretende a eliminação de 24 alunos.
Quanto aos servidores, impôs, em 2010, a quebra da isonomia salarial, instituída desde 1991, e, para inibir o direito de greve, suspendeu o pagamento de salários, desrespeitando praxe institucionalizada há muito na USP.
Agora, em 2011, determinou o ‘desligamento’ de 271 servidores, sem prévio aviso e sem consulta a diretores de unidades e superiores dos ‘desligados’. Não houve avaliação de desempenho. Nenhum desses servidores possuía qualquer ocorrência negativa. As demissões atingiram técnicos na maioria com mais de 20 anos de serviços prestados à universidade.
O ato imotivado e, portanto, discriminatório, visou, unicamente, retaliar e aterrorizar o sindicato (Sintusp), principal obstáculo à privatização da USP…”
A indignação foi tamanha que Rodas recebeu (e esnobou!) convite para prestar esclarecimentos na Assembleia Legislativa de São Paulo. Fez-se representar por um subalterno escolhido à sua imagem e semelhança: sem ter como justificar as medidas arbitrárias, ele abandonou intempestivamente a sessão, deixando de prestar os esclarecimentos solicitados.
Se estivéssemos numa ditadura, Alckmin poderia tranquilamente optar pelo favorito de Rodas, Wanderley Messias, com o qual certamente tem grande afinidade ideológica. Não precisaria levar em conta o fato de o colégio eleitoral (formado por membros do Conselho Universitário, dos conselhos centrais e das congregações das unidades, dos conselhos deliberativos de museus e institutos especializados) tê-lo relegado ao terceiro lugar, com apenas 462 votos.
Já na nossa (ainda que imperfeita) democracia, um valor mais alto se alevantou, determinando sua decisão: o fato de a permanência do PSDB no Palácio dos Bandeirantes estar seriamente ameaçada. Então, tratou de eliminar um foco de permanente tensão, que poderia lhe ser muito prejudicial na eleição de 2014, caso, por exemplo, algum confronto entre fardados e universitários terminasse em morte.
Optou, portanto, pelo candidato que não só venceu amplamente a disputa no colégio eleitoral (obtendo 1.206 votos, enquanto os concorrentes, somados, totalizaram 960), como também foi o preferido numa consulta aberta na universidade, em que 14 mil pessoas indicaram seu predileto.
Vai daí que, no próximo dia 25, a USP voltará a ter um reitor de verdade, após as péssimas e turbulentas gestões de Suely Vilela Sampaio e Rodas.
Com isso, o processo de fascistização da USP -paradoxalmente iniciado por um ex-presidente da UNE – vai ser, enfim, detido. Alvíssaras!
Caberá ao médico Marco Antonio Zago, que se define como um apaziguador, a missão de eliminar todos os resquícios da praça de guerra em que a USP foi transformada ultimamente.
Começando pela imediata extinção do convênio com a PM, uma vergonha para qualquer instituição de ensino superior em qualquer país do mundo.
* É jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.