O Brasil é um país cheio de contrastes e muito desigual. Somos a sétima economia do mundo, classificação com base no Produto Interno Bruto – PIB, e ocupamos a 85ª posição entre 187 países de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, ranking das Nações Unidas que considera três variáveis para sua construção: vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e um padrão de vida decente.
Essa diferença gritante entre a força de nossa economia e o acesso da população às políticas públicas cria um complexo cenário, que deve ser cuidadosamente analisado quando tentamos compreender os problemas sociais. É comum ouvir reflexões simplistas e superficiais sobre essas questões, muitas vezes produzidas e reproduzidas por alguns setores da sociedade, o que pode nos levar a propostas de soluções equivocadas, se tratarmos como causa de um problema o que é consequência de outro.
Como parte da reflexão que proponho, vou comentar algumas situações que são, por nós, bem conhecidas. Começo tratando sobre questões relacionadas à educação, que tem sido tema de nossa luta diária: uma educação pública e de qualidade para todos. Por que alunos das camadas sociais mais vulneráveis, que estudam em escolas públicas, não acessam as melhores universidades, que em geral são públicas? Seria por falta de capacidade ou porque não têm acesso à educação básica de qualidade, capaz de prepará-los para a universidade e para o futuro?
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Segundo o Censo Escolar de Educação Básica, em 2012, a população brasileira com idades entre 15 e 17 anos era de 10.580.060 adolescentes. Dessa população, estavam matriculados no Ensino Médio 8.376.852 adolescentes, sendo 85% deles na rede estadual de ensino, 12,7% na rede privada e 2% em instituições federais e municipais.
Em contrapartida, de acordo com o Censo da Educação Superior 2011, dos 22.497.453 jovens com idades entre 18 a 24 anos, apenas 29,9% cursavam uma graduação. Desse número, 73,7% estudavam em instituições de ensino particulares e 26,3% em universidades públicas.
No ano de 2013, 159.603 candidatos prestaram o vestibular da Fuvest, para ingressar na Universidade de São Paulo (USP). Desses, 35% eram alunos do ensino médio em escolas públicas e, apenas 7,7% desses estudantes ingressaram na universidade no ano passado.
PublicidadeChama a atenção que a grande maioria dos alunos de ensino médio do país estuda em escolas públicas, e na educação superior o número se inverte e a maior parte dos estudantes que estudaram em escolas públicas faz graduação em instituições particulares. É preciso olhar com atenção esses números. Não é preciso uma análise muito minuciosa para saber que a qualidade do nosso ensino básico tem deixado muito a desejar.
Outro tema que merece cuidado é a gravidez na adolescência. Segundo o relatório Situação da População Mundial 2013, publicado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), todos os dias, 20 mil meninas com menos de 18 anos dão à luz em países em desenvolvimento. No Brasil, de acordo com dados da PNAD 2011, mais de 10% das 8.343.000 de meninas com idade de 15 a 19 anos, já tiveram pelo menos um filho.
De acordo com o relatório do UNFPA, em todas as regiões do mundo, meninas pobres, com baixa escolaridade e residentes no meio rural são mais susceptíveis a engravidar do que as meninas mais ricas, urbanas e com mais escolaridade. A maioria das adolescentes com menos de 18 anos que engravidam não escolheram deliberadamente se tornarem mães. Pelo contrário, a gravidez foi resultado da ausência de escolhas e de circunstâncias fora de seu controle e apenas refletiu a impotência, pobreza e pressões que sofreram de seus parceiros, colegas, famílias e comunidades. Ou seja, são meninas que têm pouca autonomia.
No Brasil, esses dados se confirmam, o número de adolescentes que engravidam é maior nas áreas geográficas e camadas sociais mais pobres. Quando uma menina fica grávida, seu presente e futuro se alteram, pois sua educação pode ser interrompida, suas perspectivas de emprego diminuem e suas vulnerabilidades à pobreza, à exclusão e à dependência se multiplicam.
Pode-se afirmar que esse grave problema social é consequência de outros ligados à pobreza, à desigualdade de gênero, à discriminação,à falta de acesso a serviços e à proteção social.
Tratando ainda sobre um tema muito debatido atualmente, que é o envolvimento de jovens com a violência e o cometimento de atos infracionais, segundo o Panorama Nacional – A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, 8% dos adolescentes em restrição de liberdade não eram alfabetizados e 57% deles não frequentavam a escola antes de ingressar nas unidades de internação. Quanto à escolaridade, a última série cursada por 86% dos adolescentes entrevistados estava inserida no ensino fundamental. Ou seja, esses jovens estão fora das escolas antes de se envolver com a violência.
O problema do adolescente autor de ato infracional tem relação com diversos outras demandas sociais, além da evasão e defasagem escolar. Antes de serem infratores, esses jovens, ao longo de sua vida, não tiveram seus direitos básicos assegurados, pois em muitos casos, viviam em famílias desestruturadas e sem a proteção adequada para o seu desenvolvimento.
O que proponho é que se façam mais perguntas sobre o porquê das coisas, para que assim estejamos mais aptos para avaliar o que estão nos propondo como políticas para solução dos problemas sociais. Por estarmos em ano eleitoral, um período rico em propostas e promessas, temos em nossas mãos o poder de escolher bem ou mal. E posso afirmar, sem medo, que não se pode acreditar em soluções milagrosas e simplistas, pois uma política adequada é aquela que foca a solução a partir da causa dos problemas e não de suas consequências.