João Batista Araujo e Oliveira *
Em 2014 o Congresso Nacional aprovou a Lei do PNE, após intensa mobilização de vários grupos e setores da área da educação. Apesar dos alertas, Congresso e Executivo aprovaram, entre outras medidas polêmicas, a obrigatoriedade do investimento público para educação de 10% do PIB. Parece que ninguém fez as contas.
O Idados – um instituto voltado para a produção de dados e informações sobre educação e produtividade – está fazendo essas contas. As primeiras análises começaram a aparecer. Somente o gasto adicional para a Meta 1, relacionada com creches e pré-escolas, seria da ordem de quase R$ 40 bilhões. No todo é possível que as propostas ultrapassem os 10% do PIB.
Não requer muita perspicácia entender que 10% do PIB equivalem a cerca de 30% do total de recursos arrecadados pelos governos. Independentemente das necessidades e méritos da educação, é pouco razoável alocar parcela tão expressiva de recursos para um só setor. Além de um equilíbrio entre outras demandas, há uma questão de transferência intergeracional de recursos que também não foi levada em consideração.
O Brasil acostumou-se à ideia de que a educação não é boa porque não tem recursos. E que ela não melhora por que não há mais recursos. Em suas mais de 500 páginas, o relatório da OCDE Education at a Glance-2016, publicado em 16 de setembro, deixa clara a importância da qualidade do gasto, mais do que sua quantidade. A imprensa e os comentaristas brasileiros focaram seus comentários na questão dos recursos.
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O caso da Meta 1 – sobre as quais já saíram os resultados do IDados – é interessante, pois parte dela se refere a pré-escolas e parte às creches. De acordo com o referido estudo, o custo médio de operar uma creche passaria de R$ 3 mil para R$ 10 mil, os investimentos passariam de R$ 11,8 bilhões para R$ 48,9 bilhões.
Ninguém é e nem pode ser contra creches. Não é esta a questão. A questão é mais complexa, na verdade são várias. A primeira é se há recursos para isso. A segunda é se os requisitos delineados nas várias metas do PNE são efetivamente necessários e se contribuirão para termos melhores creches. A terceira, ainda que houvesse recursos, é ainda mais importante: se a creche constitui a única forma para desenvolver políticas de apoio às famílias para promover o desenvolvimento das crianças.
No caso específico, o relatório mencionado da OCDE possui importantes sinalizações. A primeira delas é que nenhum país industrializado possui esse número de crianças em creches públicas, nem metas para chegar a isso. A outra é que os países possuem políticas diversificadas e alternativas de atendimento à Primeira Infância. Propostas como as que vêm sendo delineadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social poderiam ser enormemente ampliadas se o país tivesse um entendimento mais amplo dessas alternativas e de seu impacto.
Embora não seja consenso, há um grupo razoavelmente sólido de economistas e outros analistas que consideram primordial, antes de aumentar recursos para a educação, melhorar a qualidade do gasto. Aumentar gastos sem rever sua qualidade parece temerário. Aumentar na direção proposta pelo PNE é mais temerário ainda, pois aumenta a má qualidade do gasto. Negar-se a rediscutir o PNE parece ir contra o esforço do governo para restabelecer o equilíbrio fiscal.
Os orçamentos estaduais encontram-se à beira do precipício, alguns, morro abaixo. Muitos municípios – inclusive a própria Confederação Nacional dos Municípios – já vem manifestando sua preocupação com os riscos decorrentes das obrigações estabelecidas no PNE. O tema é delicado. É mais confortável reforçar a turma do “mais recursos”, fingir de morto e deixar o problema estourar nas mãos dos prefeitos e governadores. Mas isso não será bom para a educação.
O momento não poderia ser mais propício para analisar com profundidade essas novas informações que estão sendo elaboradas pelo referido instituto. Se efetivamente temos compromisso com a educação, é necessário não apenas assegurar recursos que efetivamente existam, mas criar condições para que sejam gastos da maneira eficiente.
* João Batista Araujo e Oliveira dedicou sua vida à educação. Sua trajetória tem início com a participação na criação de escolas noturnas para adultos, na década de 1960. Como professor, lecionou na Rede Pública de Ensino do Estado de Minas Gerais, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na COPPEAD/UFRJ e e na Université de Bourgogne (França). Foi funcionário da OIT em Genebra e do Banco Mundial em Washington, além de Secretário Executivo do MEC. É presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB) e autor de cerca de 30 livros.
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