Na pauta: a MP 1.116 de 2002, que trata da inserção e da manutenção de jovens no mercado de trabalho por meio da aprendizagem. O tema é sempre atual – tem a ver com emprego e jovens. Por sua importância e possíveis consequências, jamais deveria ser objeto de uma MP – instrumento que deveria ser privativo de temas emergenciais.
A proposta de emenda à MP 1.116 apresentada pelo governo federal piora o que não está indo bem. As emendas do relator podem piorar ainda mais. O momento não poderia ser o pior para votar a matéria, mas também não poderia ser o melhor para reabrir a discussão do tema em novas bases, na próxima legislatura.
A Lei da Aprendizagem – a atual, a proposta da MP e a alterada no parecer do relator – tem como ambição ampliar a disponibilidade de empregos para o grupo que tem mais dificuldade para se empregar: jovens sem formação profissional e, muitos deles, com outros desafios. O maior entrave para a sua eficácia se encontra no empregador: ele só o fará se tiver incentivos e não incorrer em riscos adicionais. A evidência: o baixo nível de empregos conseguidos em função da lei anterior. Mas, além do emprego, a Lei também deseja que esse emprego seja qualificante, que seja parte de um processo de aprendizagem ou formação profissional. E aí a lei complica tanto que inviabiliza o atingimento de qualquer um de seus múltiplos objetivos.
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O que se quer? O que seria necessário fazer?
Primeiro, para estimular o emprego de pessoas desse grupo, é preciso que a lei crie incentivos suficientemente grandes para compensar os riscos do empregador. Ao mesmo tempo, deve ser equilibrada para não competir com o emprego de pessoas mais velhas e já qualificadas. Seria desvestir um santo para vestir outro, com prejuízos para a produtividade.
Segundo, a MP procura abrigar sob seu teto um amplo conjunto de jovens com características muitos diferentes – para o que seria necessário prever tratamentos diferenciados e não colocar tudo dentro de um mesmo pacote.
Para servir de preparação do jovem para ingressar de maneira mais definitiva no mercado de trabalho, as condições de emprego deveriam ser o mais próximo possível das condições reais de trabalho. De outra forma, poderá se transformar num estigma e dificultar a futura inserção profissional. Criar dificuldades e excepcionalidades prejudica a gestão pelas empresas e falseia a experiência de trabalho.
Já para servir de mecanismo de formação profissional, seria necessária uma articulação institucional simples e direta entre empregador e escola de formação, para assegurar que o estudo e o trabalho são complementares.
Não existem formas simples de lidar com problemas complexos. Mas existem maneiras de segmentar os problemas e buscar soluções diferenciadas.
Suponhamos, por exemplo, que a prioridade seja assegurar a articulação entre teoria e prática na formação profissional de nível médio. Nesse caso, o aluno frequentaria a escola num turno e a empresa no outro. A escola se articularia com a empresa para assegurar a relevância do trabalho prático. Um benefício adicional dessa estratégia seria o de já assegurar aos alunos uma renda durante o ensino médio, e não apenas uma experiência de trabalho. É assim que funciona nos países onde a formação profissional funciona.
Para tanto, a solução mais permanente consiste em criar um sistema diversificado de ensino médio, em que a formação profissional tenha personalidade própria – inclusive com saídas diversificadas, dependendo da ocupação e da condição dos jovens. Nada a ver com os “itinerários formativos” propostos na Base Nacional Curricular Comum (BNCC ) –, desconectados de qualquer realidade conhecida ou cognoscível, e certamente desconectados do mundo do trabalho. Em vários países, há uma saída “básica”, uma saída “técnica” equivalente ao nível médio – que pode ou não dar acesso ao ensino superior – e uma saída “tecnológica”. E, em alguns países, há canais de comunicação para quem quiser ingressar no ensino superior.
No Brasil, a Lei do “novo ensino médio” engessa a formação profissional ao torná-la vinculada ao Enem, que, por sua vez, está vinculado ao ingresso na universidade. Não temos uma política adequada de formação profissional. E nossas escolas técnicas de nível médio – em sua grande maioria – foram contaminadas pela ideia de que “fora da universidade não há salvação”. Essa deveria ser a prioridade, e a Lei do Aprendizado deveria estar a serviço desse grande objetivo. Afinal, no século 21, o aprendizado se dá, sobretudo, no nível médio técnico – e não mais no formato que originou a criação do Sistema S.
Outros objetivos de lei para estimular o primeiro emprego de grupos desfavorecidos precisariam de outros tipos de instrumento. Por exemplo, para o jovem de menos de 18 anos que ainda não esteja cursando o ensino médio técnico. Ou para o jovem que é portador de necessidades especiais. Nesses casos, se o objetivo principal for o emprego, a lei deveria ser simples e suficientemente generosa para encorajar o empregador a empregar e manter esse jovem empregado. Quando ele passasse para o ensino profissional, mudaria de categoria. Mas há outras possiblidades – como canalizar a expansão do tempo integral para alunos de renda mais baixa, assegurando, inclusive, e se for o caso, incentivos financeiros.
Esses são apenas exemplos de possíveis abordagens. Para avançar efetivamente nessa complexa área, os primeiros passos necessários são: rever a evidência; avaliar o impacto da legislação que se quer mudar; e ouvir, via pesquisa, a voz dos empregadores, dos alunos/trabalhadores e das agências de formação altamente qualificadas – como o Sistema S, por exemplo.
A maior contribuição que o Congresso Nacional poderia dar ao tema, no momento, é encontrar meios de adiar a decisão, reabrindo o debate num contexto mais amplo e bem fundamentado.
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