Na semana passada, foi divulgada em alguns jornais uma notícia sobre educação para a cidadania que bem merece um comentário nosso. A novidade é que, aos poucos, diversas escolas privadas em todo o país começam a trazer para seus alunos noções de cidadania em meio à sua grade curricular. O grande mérito da reportagem é o de divulgar a ideia, que não é nova mas ainda é pouco discutida.
Só que alguns reparos precisam ser feitos às informações levadas ao público. Por exemplo, a matéria afirma que o ensino de Moral e Cívica foi decisão tomada no período militar, o que pode levar à ideia de que essas disciplinas têm, por si só, um caráter de doutrinação ideológica. Nada mais falso. A introdução de Moral e Cívica no currículo escolar brasileiro é de muito antes e foi responsável por moldar várias gerações de cidadãos brasileiros antes da chegada dos militares ao poder.
Em abril de 1942, no governo de Getúlio Vargas, foi promulgada a Lei Orgânica do Ensino Secundário, que fez diversas alterações no sistema de ensino brasileiro. Como o ministro da Educação na época era Gustavo Capanema, essas alterações ficaram conhecidas como Reforma Capanema. E uma das mudanças mais relevantes foi justamente a obrigatoriedade do ensino de Moral e Cívica nas escolas.
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Esta foi uma lei muito importante, e que permaneceu em vigor até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961. E aí, sim, já no período militar, a presença da Moral e Cívica nas escolas foi renovada mais uma vez, em 1969, até ser definitivamente extinta em 1993, com um argumento apressado de um Congresso eleito com a sanha de combater tudo relativo ao período de exceção. Típico caso de jogar fora o bebê junto com a água do banho; ou seja, confundiram a maneira como a disciplina era lecionada com a própria disciplina em si.
Hoje em dia, a reinserção dos temas da cidadania na grade curricular encontra resistências. Primeiro, dos próprios políticos e sua histórica falta de civismo e de interesse na formação de cidadãos eleitores mais conscientes e atuantes. Tanto na Câmara quanto no Senado, nossos parlamentares resistem em fazer tramitar e aprovar um dos muitos projetos de lei já apresentados sobre o tema. Além disso, gestores públicos e educadores alegam que o currículo escolar está sobrecarregado e que não existem professores especializados para esse tipo de disciplina. Novamente, nada mais falso. Os temas da cidadania são transversos, ou seja, podem ser levados aos alunos através de disciplinas já presentes nos cursos, como História, Geografia, Sociologia e Filosofia.
Só para citar o exemplo mais recente, dois anos atrás, o senador paranaense Sergio Souza apresentou o seu Projeto de Lei 02/2012, que procurava alterar as “diretrizes e bases da educação nacional”, “acrescentando como objetivo do ensino fundamental obrigatório o exercício da cidadania e a compreensão dos valores morais e éticos em que se fundamentam a sociedade; determina como diretriz do currículo do ensino médio a formação ética, social e política do cidadão; inclui como disciplina obrigatória em todas as séries do ensino médio a “Ética Social e Política”. Ou seja, trazia as questões de cidadania para dentro das salas de aula do ensino privado e público.
Depois de passar por algumas comissões, o projeto de lei foi aprovado ainda em 2012 e remetido para apreciação na Câmara dos Deputados. E por lá está esquecido até hoje. Segundo a página eletrônica da casa, o agora denominado Projeto de Lei 4744/2012, está desde dezembro de 2012 pronto para apreciação no plenário. E lá está, parado, desde então.
Este é apenas um dentre muitos outros exemplos de projetos de lei que pretendiam trazer o tema para dentro das salas de aula e que não “vingaram”. Já passou da hora de nos perguntarmos o porquê de tanta resistência à cidadania nas escolas. E não apenas a cidadania dos símbolos nacionais, da ética e do civismo. O sistema de educação brasileiro precisa enfrentar urgentemente as questões da verdadeira cidadania, que não envolve apenas saber de cor o Hino Nacional, ou o significado das cores e símbolos da Bandeira.
Precisamos preparar nossas futuras gerações para a responsabilidade cidadã de conhecer a fundo nosso sistema político, como interagimos com ele, como acompanhamos mandatos, como fiscalizamos a execução dos orçamentos públicos, e, principalmente, como participamos da consolidação das instituições democráticas.
Isso, sim, é cidadania.