Cerca de 500 a.C., Pitágoras, pai do conceito de Justiça, norteadora do Direito, declarou: “educai as crianças e não será preciso punir os homens”. A assertividade dessa afirmativa, se tomada em seu sentido mais amplo, ainda é válida e central na atualidade. A própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, traz a importância da infância na sociedade, ao dar prioridade absoluta aos direitos de crianças e adolescentes.
O questionamento que se faz é se essa prioridade se dá também na prática. Ao acompanhar as ações do Estado brasileiro voltadas para a criança, é possível perceber que não é esse o direcionamento dado às políticas públicas. Ainda temos muitas crianças fora da escola – principalmente na etapa da creche – ou em escolas precárias, sem acesso a condições básicas de saúde, saneamento, moradia, entre outros. Essa situação é um cenário que favorece uma sequência de distorções e violações de direitos nas outras fases da vida dessas crianças.
Drauzio Varella, em sua crônica “A teoria das janelas quebradas”, discorre sobre o ciclo vicioso de deterioração do ambiente e de todos os fatores ligados a ele. O exemplo que dá vem de uma tese defendida em 1982 por estudiosos americanos, com o mesmo nome que inspirou o título de seu texto, que mostrou que pessoas que vivem em um ambiente poluído tendem a não preservá-lo, gerando mais desordem, vandalismo e pequenos crimes, mesmo com sinalizações orientativas. Em seguida, outros estudos vieram validar empiricamente essa tese.
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Eles mostraram, ainda, que o oposto também é verdadeiro. Uma das pesquisas, feita na Holanda, baseou-se em uma lei nacional que proíbe fogos de artifício. O cenário era um estacionamento de bicicletas. Panfletos com a proibição de lançar fogos de artifício foram pendurados nos guidões. A situação de desordem foi representada pelo estourar de fogos no momento em que o ciclista chegava para buscar sua bicicleta; e a situação de ordem, pelo silêncio.
A conclusão foi que, na primeira situação, 80% das pessoas jogou o panfleto no chão; na segunda, o número caiu para 52%. Esse é o ponto primordial da pesquisa. Ela mostrou que não só o ambiente é decisivo nas atitudes pessoais, como também o exemplo. Os ciclistas, ao perceberem que são cometidas práticas delituosas, tendem a cometê-las também, mesmo que não a mesma prática, e vice-versa.
Nesse sentido, e trazendo para a abordagem da prioridade e proteção à criança, é possível perceber a importância do exemplo do adulto e da sociedade para o desenvolvimento da criança. E não só isso, uma abordagem positiva na educação e no cuidado com ela traz mais sucesso no resultado que uma abordagem negativa. É preferível dirigir-se à criança com afirmações, como “é importante agradecer quando se ganha um doce”, que com negações, como “não seja mal educado quando ganhar um doce, agradeça”.
Dentro de um contexto maior, é preciso olhar para as políticas públicas mais em sentido protetivo do que em sentido paliativo. Em vez de focarmos nossas atenções para dirimir os efeitos da violência na sociedade, com medidas inócuas e imediatistas, é preferível investir na promoção dos direitos sociais, priorizando as políticas públicas voltadas às crianças.
A partir do momento em que os adultos e, em sentido mais amplo, a sociedade e o Estado, apoderarem-se do senso de responsabilidade social perante as crianças, poderemos presenciar o poder do estímulo no crescimento delas como seres humanos mais íntegros e uma sociedade menos tocada pela síndrome das janelas quebradas.