Se o fim de 2018 chega com grande expectativa para o comércio, com previsões otimistas para as vendas diante de sinais de recuperação da economia, ao mesmo tempo cria apreensão pela provável dificuldade de melhoria da logística do país, em especial do planejamento para o setor de transportes.
A principal temporada de vendas tem na Black Friday um primeiro termômetro. No caso deste ano, é animador o aumento esperado de 6% em relação ao ano passado, chegando a R$ 4,5 milhões de movimentação, e de 8% na média de gastos, para cerca de R$ 600. Sinaliza um dezembro com consumo muito aquecido, o que faz a roda da economia girar, com impactos positivos em todo o ciclo – consumo, produção, emprego e renda.
No entanto, não há sistema econômico que se desenvolva sem um planejamento logístico adequado. Afinal, muitas vezes para compras em lojas físicas, mas principalmente para o mercado virtual, o chamado e-commerce, o produto precisa chegar à porta da casa do consumidor no prazo prometido, sob pena de multa, reclamação judicial, desistência da venda e, pior, perda do cliente e da credibilidade da empresa no mercado.
O custo decorrente disso é hoje muito maior do que poderia ser se nossos governantes, desde décadas atrás, tivessem feito o dever de casa e investido menos no transporte rodoviário e mais no ferroviário, hidroviário ou aeroviário.
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O resultado é uma dependência extrema do transporte rodoviário. Isso se aplica a todos os setores da nossa economia e afeta principalmente o escoamento da produção agropecuária e de combustíveis. Mas também atinge em cheio a logística de entrega de encomendas. Mesmo o sistema oferecido pelos Correios, por onde é despachada boa parte das encomendas online, depende principalmente das rodovias, dos caminhões, do diesel, do frete rodoviário.
O caos gerado pela greve dos caminhoneiros deflagrada em maio deste ano expôs o tamanho da dependência do país desse modal. Cidades inteiras sem uma gota de combustível, perda total de cargas e até de safras inteiras de perecíveis, desabastecimento. O país ficou literalmente parado à espera de uma solução para as reivindicações, como redução do preço do diesel, liberação de pedágio para eixo suspenso, valorização do frete, entre outros itens. Superado o impasse daquele momento, o que impede a categoria de parar o Brasil novamente amanhã ou depois? Nada.
O mais surpreendente é que a escolha pela rodovia em detrimento dos demais meios não se deu por falta de conhecimento, experiência ou planejamento. A necessidade de multiplicar as opções de transporte e dotar o setor de uma característica transversal, com investimento em sistemas interligados entre os diversos meios, está registrada em documentos oficiais há muito tempo.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2016 mostra a evolução desse planejamento ao analisar propostas do governo federal para o setor desde 2003 por meio de documentos públicos como o Plano Plurianual (PPA) – previsão orçamentária para orientar os investimentos para os quatro anos seguintes.
A análise demonstra uma clara intenção, já no PPA 2004-2007, de promover investimento em corredores de integração, prevendo R$ 24 bilhões para o setor de transportes. O PPA seguinte (2008-2011) previa R$ 55 bilhões. O maior aumento foi registrado no PPA 2012-2015, que reservou quase R$ 127 bilhões ao setor, aumento de 131%, mas com a diferença de prever recursos públicos e privados, por meio de concessões e parcerias, até então pouco considerados.
Já o PPA 2016-2019, que tem vigência até o final do próximo ano, registra uma redução de recursos para o setor – R$ 117 bilhões, também considerando investimentos públicos e privados. O estudo mostra que o percentual de execução do PPA gira em torno de 64%, mas que a maior parte ainda se concentra na manutenção e ampliação de rodovias.
O mesmo estudo detalha o Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT), de 2007, que pretendia ser muito mais do que uma plano de governo, mas “uma proposta do Estado brasileiro”, com planejamento até 2023. Em 2011, foi atualizado para prever o acompanhamento, monitoramento e avaliação de projetos com execução até 2031, com investimento de R$ 423 bilhões. Dos mais de 1.100 projetos indicados, a maioria refere-se a rodovias (425), mas a maior parte dos recursos é destinada a ferrovias (R$ 190 bilhões).
A análise traz ainda o Plano Nacional de Logística Integrada (PNLI), que recomendava o aporte de R$ 145 bilhões entre 2015 e 2035, envolvendo 47 projetos, concentrados no transporte ferroviário (60%) e no rodoviário (40%).
Também é mencionado no texto o Programa de Investimento em Logística (PIL), que prevê R$ 198 bilhões de investimento, sendo R$ 69 bilhões entre 2015-2018 e R$ 129,2 bilhões em 2019, a maior parte (R$ 86 bilhões) novamente para as ferrovias.
O estudo do Ipea conclui que, caso todos os projetos saíssem realmente do papel, o Brasil seria dotado de uma matriz mais equilibrada para transporte de cargas, ampliando a participação do modal ferroviário de 30% em 2011 para 43% em 2031, e reduzindo a do rodoviário de 52% em 2011 para 38% em 2031.
Os Programas de Aceleração do Crescimento (PACs) 1 e 2, lançados nos governos Lula e Dilma, incorporaram boa parte dos projetos previstos nos planos de longo prazo para estimular o crescimento. Mas esbarraram em impedimentos burocráticos, como baixa qualidade dos projetos, licitações complexas, dificuldades com desapropriações e licenças ambientais, entre outras.
É urgente, portanto, que se constitua um mutirão envolvendo todos os setores envolvidos – governos, justiça, indústria e comércio, entre outros – para dar vazão e andamento a obras que podem levar o Brasil a uma nova condição econômica, contribuindo inclusive para equacionar a crise fiscal pela qual atravessa.
Porém, a depender da proposta de Orçamento para 2019 enviada ao Congresso pelo governo Temer e em discussão pelos parlamentares neste momento, a perspectiva é desoladora. A mensagem que acompanha o projeto esclarece que as rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias receberão, no total, R$ 9,8 bilhões, dos quais R$ 6,9 bilhões para rodovias. Para ferrovias, serão R$ 752 milhões, trilhando o caminho inverso do recomendado por especialistas do próprio governo.
O parecer preliminar ao Orçamento 2019 foi aprovado na semana passada na comissão mista que trata do assunto, que deve agora debater os relatórios setoriais e, em seguida, o texto final, a ser levado ao Plenário do Congresso em duas ou três semanas. Há tempo, portanto, para ampliar a destinação de recursos para incrementar a logística de transportes do país. Basta que o parlamento tenha bom senso e boa vontade.
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