A falta de transparência e de clareza sobre dados de desmatamento ilegal no Brasil é um dos principais impasses na atuação do setor privado no combate a esse tipo de crime ambiental. A avaliação foi feita ao Congresso em Foco pela líder da força-tarefa Dados de Desmatamento da Coalizão Brasil e coordenadora de Incentivos Econômicos para Conservação no Instituto Centro de Vida (ICV), Paula Bernasconi.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é formada por representantes do agro, da área de meio ambiente e clima, acadêmicos, e companhias do setor madeireiro, cosmético, siderurgia, entre outros. Nesta semana a organização divulgou levantamento mostrando que, de 60 empresas ouvidas, 90% usam dados sobre desmatamento no processo de decisão, sendo que 64% usam tais informações ao definir onde implantar um novo negócio.
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Além das empresas de diversas áreas de atuação, o mapeamento ouviu institutos de pesquisa, instituições governamentais e não governamentais e revela que 36% consultam os dados para monitorar seus fornecedores, 25% para monitoramento de áreas produtivas da empresa e 23% para avaliação de risco de crédito.
As fontes oficiais de informação mais consultadas pelos participantes consultados são: PRODES Amazônia (66%), DETER (46%), PRODES Cerrado (46%) e TerraClass (42%). Além disso, 59% informaram usar os dados do MapBiomas, iniciativa colaborativa de ONGs, universidades e empresas de tecnologia.
Leia a íntegra dos resultados:
Porém, Paula afirma que as empresas só não usam os dados de forma mais estratégica pela dificuldade encontrar as informações, que muitas vezes estão dispersas, desatualizadas ou sequer existem. Ela cita como principal exemplo a dificuldade de identificar o dono da terra onde houve desmatamento ilegal.
As respostas à pesquisa indicaram como principais problemas a falta de informações sobre a legalidade do desmatamento e a propriedade da terra desmatada, e colocaram entre as demandas uma simplificação e clareza na forma como os dados são divulgados.
“É importante avançar na transparência de dados, que é o papel do setor público, do Congresso, de propor propostas nesse sentido, para que a sociedade possa diferenciar os produtores rurais, as indústrias que tão praticando o desmatamento ilegal das que não estão fazendo isso”, defende.
A integrante da Coalizão explica que, hoje, grandes empresas já contratam serviços de mapeamento ou até mesmo criam suas próprias ferramentas para fazer esse rastreamento. Porém, lembra, esse monitoramento da cadeia de fornecedores, dos locais onde a empresa atua, deve poder ser feito por companhias de todos os tamanhos.
O rastreamento dos desmatamentos ilegais esbarra, entre os pontos, na questão fundiária. Mecanismos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ajuda a identificar os donos das terras, porém, muitas vezes apresenta informações desencontradas e não detalha se o desmate é ilegal. Outra dificuldade é a ausência de uma plataforma unificada com todos os dados.
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O Congresso Nacional discute há anos propostas para a regularização fundiária no país. Porém, neste ano os debates avançaram, principalmente no Senado, com o PL 510/2021, apelidado de “PL da Grilagem”. O tema é prioridade do governo e da bancada ruralista. O projeto altera a lei 11.952/2009, que trata da regularização fundiária em áreas da União localizadas na Amazônia Legal, para que as regras passem a valer em todo o país.
Na avaliação da Coalizão, a regularização das terras é necessária, sim. Porém, a proposta em debate no Senado vai na contramão do que a organização defende, principalmente no que tange à Amazônia.
“O que a gente enxerga em relação ao desmatamento é que essa proposta, como ela propõe mudar novamente o marco temporal e permitir principalmente ocupações mais recentes em áreas maiores, imensas, essa lógica de ficar constantemente trocando, flexibilizando tanto o marco temporal quanto o tamanho dos imóveis, isso a gente entende que acaba por legitimar a grilagem e estimular novas ocupações ilegais”, afirma Paula.
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