Vítor Boaventura *
Recentemente a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da nova Lei de Licitações. O projeto, apresentado sob a forma de substitutivo, foi relatado pelo deputado Augusto Coutinho (SD-PE). Agora, a proposição retornará ao Senado para nova análise.
O conteúdo da proposta aprovada traz repercussões relevantíssimas para o seguro garantia de execução do contrato na modalidade segurado-setor público, também conhecido como performance bond. A garantia securitária é uma ferramenta com o potencial de fortalecer a governança dos contratos administrativos de obra, de fornecimento de bens e de prestação de serviços à Administração Pública, porém carece de reformulação para que tal potencial se realize.
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Entre os principais entraves à efetividade do seguro garantia sob o regramento da vigente Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93), encontram-se: (i) a limitação da importância segurada em relação ao valor do contrato cuja execução pretende-se garantir, o que não gera incentivos econômicos suficientes a uma detalhada aferição dos riscos pelas seguradoras, principalmente quando o contrato não tem elevado valor; (ii) a facultatividade da contratação do seguro, que permanece ao lado da caução e da fiança entre o rol de garantias contratuais a serem escolhidas pelo licitante vencedor. Nos EUA, país de referência em matéria de seguro garantia de obras, a contratação da garantia é obrigatória em todos os contratos federais com valor igual ou superior a US$ 100 mil desde o ano de 1935.
Embora a proposta aprovada pela Câmara não atribua obrigatoriedade à apresentação de garantias contratuais, e muito menos direcione a escolha do contratado pelo seguro garantia ou performance bond quando exigida garantia contratual pela Administração, o texto se destaca por endereçar solução a alguns dos entraves identificados à efetividade do regime geral de seguro garantia aplicado às licitações no Brasil. O percentual a ser garantido é ampliado, passando a ser de (i) até 10% do valor do contrato para as obras ou fornecimentos de até R$ 100 milhões; (ii) de até 20% do valor do contrato para as obras ou fornecimentos superiores a R$ 200 milhões; (iii) de 30% nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto (definidos pelo art. 6º, inciso XXII, da proposta, como aqueles cujo valor estimado seja superior a R$ 200 milhões).
O projeto traz ainda a previsão da cláusula de retomada, que passa a permitir expressamente a possibilidade de a seguradora executar ela mesma, ou através de terceiros por ela subcontratados, o objeto do contrato na hipótese de inadimplemento do tomador. Muito embora a opção do segurador pelo adimplemento seja rara, a previsão expressa na Lei resolve qualquer dúvida sobre a possibilidade nos contratos administrativos por ela regidos, e quiçá poderá até mesmo incentivar a prática.
Outro endereçamento relevante identificado no texto-base aprovado pela Câmara diz respeito à atribuição expressa aos seguradores dos poderes e deveres de acompanhar a execução do contrato e adentrar o sítio de obras, bem como requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento.
A aprovação do texto-base pela Câmara dos Deputados é uma sinalização importante de que começa a existir um consenso entre os setores da sociedade diretamente envolvidos com a estruturação, comercialização e utilização do seguro garantia no âmbito da Administração Pública, não apenas sobre a necessidade de reformulação da disciplina de contratação do seguro no âmbito da Lei de Licitações, mas sobre o conteúdo da reformulação.
Além disso, o conteúdo da proposta mostra que o movimento do Legislativo guarda harmonia com lições obtidas a partir da experiência histórica da Administração com esse produto, assim como a partir das conclusões de pesquisas acadêmicas e manifestações da sociedade civil organizada, notadamente de entidades representativas do setor de seguros e do interesse de consumidores.
De certa maneira, o conteúdo do texto-base aproxima o regime geral de contratação da performance bond daquele existente na iniciativa privada, onde o conteúdo dos contratos celebrados é mais adequado à funcionalidade desse produto, sobretudo porque atende mais satisfatoriamente às expectativas dos segurados – resultante tanto de patamares mais elevados de cobertura, quanto de uma postura mais dirigente do segurador em relação aos riscos.
Juntamente com a experiência que vem do setor privado, os exemplos já existentes de sucesso da adoção da garantia nos âmbito dos contratos de concessão, como o regime de performance bond aplicado às concessões de aeroportos dos últimos anos, indicam que, caso a nova Lei de Licitações mantenha-se no caminho da resolução de entraves históricos e em sintonia com a experiência com do setor privado, a Administração Pública tende a contar, muito em breve, com interessante ferramenta de governança dos contratos de obra, de fornecimento de bens e serviços.
* Vítor Boaventura é advogado, sócio de ETAD – Ernesto Tzirulnik Advocacia. Membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), é Mestre em Regulação pela London School of Economics and Political Science (Reino Unido)
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