O Brasil tem a maior concentração de renda do mundo, de acordo com a pesquisa Desigualdade Social 2018, estudo coordenado pelo economista francês Thomas Piketty e que considerou dados de 2001 a 2015. O país também é destaque negativo no coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda (9ª pior taxa do mundo) e no desenvolvimento humano: estamos na 79ª colocação no IDH, que leva em conta o acesso a renda, educação e saúde.
Temos, de acordo com pesquisa do IBGE de 2017, mais de 209 milhões de habitantes. 28 milhões de pessoas declararam imposto de renda em 2017. Desses, menos de 3,3 milhões possuíam renda mensal superior a R$ 13.200,00. Para se ter uma ideia do tamanho da desigualdade de renda entre nós, 25.200 pessoas declararam ganhar mais de R$ 281.600,00 por mês, o equivalente a R$ 9.387,00 por dia. Enquanto isso, quase 15 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza, ou seja, com menos de R$ 5,00 por dia. Um verdadeiro abismo no qual 25 mil pessoas possuem renda mensal mil e oitocentas vezes superior à renda de 15 milhões de pessoas, que não possuem sequer o mínimo necessário para se alimentar. Essa enorme desigualdade afeta diretamente o acesso a saúde, educação, justiça e trabalho, expondo à violência as vítimas da exclusão social.
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A concentração de renda e a desigualdade social deveriam ser os grandes temas a pautar o debate econômico. Mas, apesar da gravidade do problema, a pauta econômica segue monopolizada pela Reforma da Previdência, tema extremamente importante, mas que deveria tramitar em concomitância a outras propostas que efetivamente vão mudar a realidade da população mais pobre.
Mesmo a Reforma da Previdência deve ser debatida na perspectiva de preservar a situação daqueles que estão na base da pirâmide de renda — quem recebe o Benefício de Prestação Continuada, trabalhadores rurais e a massa de pessoas que sobrevivem com apenas um salário mínimo por mês —, de maneira a não aprofundar ainda mais o abismo social em que vivemos. O esforço para a retomada do equilíbrio das contas da Previdência deve recair sobre aqueles que recebem os maiores benefícios e que estão situados na parte mais alta da pirâmide de renda, preservando os mais pobres.
PublicidadeJunto com este debate deveríamos colocar na pauta medidas que tornassem nosso sistema tributário mais progressivo. Passou da hora de aprovarmos o imposto sobre grandes fortunas e alíquotas mais altas de imposto de renda para os mais ricos, além de tributarmos lucros, dividendos, aeronaves e embarcações.
Se o objetivo do governo realmente é corrigir a concentração de renda e a desigualdade social causada pelas distorções do sistema previdenciário, há um amplo cardápio de propostas há muito debatidas na sociedade e que efetivamente atacaria este problema, impactando diretamente na arrecadação e, consequentemente, no aumento da capacidade do Estado de promover políticas públicas de distribuição de renda, como o bolsa família, o acesso a saúde, educação e outras políticas sociais.
De acordo com dados de 2017, se aumentássemos em 10% a alíquota do imposto de renda, aproximando-a da alíquota praticada em países capitalistas desenvolvidos, para aqueles que ganham mais de R$ 70.400,00 por mês, o equivalente a R$ 2.346,66 por dia — menos de 200 mil pessoas em todo o país tem essa renda —, teríamos um acréscimo de arrecadação de, no mínimo, R$ 2,3 bilhões, valor mais que suficiente para dobrar a renda daquelas 15 milhões de pessoas que vivem com menos de R$ 5,00 por dia.
Um conjunto de medidas nesse sentido, associado à revogação do teto de gastos para saúde, educação e assistência social, poderia levar o país a um novo patamar de inclusão social e, consequentemente, de desenvolvimento.
Qualquer agenda econômica que ignore a importância de aprovar essas medidas certamente não está preocupada com os problemas de toda a sociedade, mas sim com apenas uma parcela daqueles que compõem nossa pirâmide de renda. Infelizmente, sabemos qual é a parte que costuma ser prestigiada.
É mais do que hora de pautarmos o debate econômico pelos problemas daqueles que sobrevivem com menos de R$ 5,00 ao dia, em detrimento dos problemas daqueles que não sabem onde gastar diariamente os mais de R$ 9.300,00 que têm disponíveis.