O Conselho Monetário Nacional decretou em novembro o limite de 8% ao mês no cheque especial. Hoje os bancos cobram 12% ou 13% ao mês. Nem os agiotas no Brasil cobram 8% ao mês! Nem os milicianos, que andam muito empoderados, cobram isso!
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A taxa anual de juros no cheque especial é de 305%; a partir de janeiro/20, 151%; Canadá, é de 19% a 22%; Portugal, 15,7%; França, 13,81%; Espanha, 7,5%, ao ano segundo o jornal Estado de S. Paulo. Com essa política extorsiva de juros (e de crédito) é quase impossível imaginar crescimento econômico sustentável no Brasil.
Cada país tem sua realidade, claro. Mas a realidade de Portugal e Espanha não é tão diferente do Brasil. Nós estamos sendo muito roubados! Pagamos juros dez vezes mais que Portugal! Vinte vezes mais que Espanha! Não se trata de um roubo?
Falou-se em corrigir falha do mercado (falta de concorrência, não contribuição dos bancos para a redução dos juros etc.). Mas tudo isso vira blá-blá-blá quando os bancos podem até lucrar (isso mesmo: “lucrar”) com a redução de juros.
Como assim? Na regulamentação do CMN há um pulo do gato: os bancos poderão jogar essa conta nas costas de todos os que possuem cheque especial, mesmo sem usá-lo!
Socialização da “conta”: todo mundo que tem cheque especial (com limite acima de $500 reais) vai pagar tarifa de 0,25% sobre esse limite (descontados os $500 reais. Quem tem $10 mil de limite, por exemplo, vai pagar $23,75 por mês ou $285 reais no ano (mesmo não usando o cheque especial!). Nos EUA a taxa anual de uso do cheque especial e de $35 dólares segundo o jornal Estado de S. Paulo.
Coisa doida: só numa plutocracia como o Brasil isso acontece! Os bancos são necessários em qualquer sociedade capitalista. Cumprem um papel social, mas seus abusos são abomináveis.
Tarifa, como taxa, só pode ser cobrada quando um serviço é efetivamente prestado. Disponibilizar crédito de cheque especial ao correntista, muitas vezes sem ele pedir (frequentemente sem nenhuma solicitação!), é prestação de um serviço ou uma oferta potencial de serviço? Disponibilizar um serviço já é “prestar” o serviço? Vai haver questionamento judicial, certamente.
Os bancos, que são os líderes máximos da nossa plutocracia (elites que concentram a riqueza da nação nas suas mãos), arrecadarão uma fortuna incrível (repita-se: de quem não usou o cheque especial!). Não importa se você é de direita ou de esquerda, você vai pagar a conta!
Você é controlado, tem limites, não abusa e, mesmo assim, vai pagar a conta daqueles que usam o cheque especial (muitas vezes, por necessidade, sabemos). Como é que podem ser “punidos” os que não são culpados?
O problema: os brasileiros estão lutando entre eles mesmos (esquerda-direita). Uns contra os outros. É uma luta horizontal. O correto é olharmos para cima, juntos. As plutocracias, com a ajuda dos governos (de esquerda ou de direita), estão roubando todos nós! Nossa luta tem que ser vertical.
O poeta chileno Nicanor Parra, em 1972, lançou para a história o seguinte slogan: “Esquerda e direita unidas jamais serão vencidas!”. Continua atual mais que nunca.
Dividir para governar: a divisão esquerda-direita (desde o final do século XVIII) pode fazer sentido na campanha eleitoral. Passada essa fase, o que importa é o país, o consenso, a nação, o bem-estar e a prosperidade de todos. Isso é que é patriotismo. O resto é divisionismo para consumar a espoliação.
Com o “tabelamento enviesado” do governo você acha que os bancos vão perder muito dinheiro? Você acha que um governo ultraliberal na economia, da Escola de Chicago, faria uma “intervenção no mercado” para prejudicar os bancos? (detalhe: 76 países limitam os juros segundo o jornal O Estado de S. Paulo; normalmente por “leis de usura”, até mesmo criminalmente).
Você acha que um banqueiro (ministro da Economia) iria reduzir os lucros dos bancos? Bem eles que gastam milhões para financiar campanhas eleitorais!
Teria o ministro cometido o deslize do populismo? (Estadão 29/11/19). Aliás, se os banco vão faturar muito dinheiro com a tarifa de 0,25%, você acha que o “tabelamento dos juros” foi mesmo “populismo” ou um jogo de cartas marcadas ou de favorecimento?
Pela regulamentação divulgada, os bancos, afinal, vão perder de um lado e ganhar do outro. Não dão ponto sem nó! O povo diz que é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha que banco perder dinheiro em circunstâncias governamentais tão favoráveis a ele.
Veja outro detalhe: o anúncio do Conselho Monetário Nacional, de 8% nos juros do cheque especial, ocorreu justo quando o dólar batia o maior valor da história. O dólar chegou a $ 4,25 reais. Aliás, em breve, vai poder andar de metrô em São Paulo, cuja passagem custa $ 4,30 (v. Painel, Folha).
Com base em várias fontes (UOL, Gazeta do Povo, Metrópole, Estadão, Valor e O Globo) podemos extrair ainda o seguinte:
(i) Mesmo 8% ao mês é uma exorbitância sem paralelo no mundo (seguramente). Só numa plutocracia de quinto mundo (baixo controle do Estado e da sociedade) isso é possível. No Reino Unido paga-se $1 real por dia quando há uso do cheque especial. Um! E só quando usa! Quem não usa, claro, não paga nada segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
(ii) Se os limites (do cheque especial) oferecidos pelos bancos aos clientes têm custos, que se eliminem a oferta. Quando um produto não dá lucro, o melhor é eliminá-lo da prateleira. Pior é que os próprios bancos aumentam os limites sem autorização do interessado. E agora vão cobrar 0,25% sobre esse limite, ainda que aumento por eles unilateralmente! É muita espoliação!
(iii) São $320 bilhões de reais não utilizados do cheque especial. Tirando a parte isenta (limite até R$ 500), faça as contas de quanto os bancos vão faturar com essa “tarifa bancária extra”? Aguardamos a ajuda dos economistas e matemáticos para fazerem os cálculos para nós.
(iv) Os juros de 8% valem a partir de 6/1/20. A tarifa de 0,25% vale a partir dessa data para contratos novos; nos contratos antigos, só vale a partir de 1/6/20. Se o banco mudar o limite do crédito, já pode fazer cobrança a partir de 6/1/20. Pode haver uma enxurrada de limites alterados a partir de 6/1/20.
(v) Juros de 8% ao mês num país com taxa de juros (Selic) de 5% ao ano, como assim? Os bancos falam em inadimplência. No caso do cheque especial não passa de 15% (segundo o Banco Central). De outro lado, que tal fazer um seguro para isso?
(vi) Os lucros dos bancos no Brasil fogem completamente da realidade mundial (veja acima números de Portugal, Espanha etc.). Ninguém é contra banco ou qualquer empresário ganhar dinheiro, com o seu trabalho. Fui empresário durante 12 anos. A questão não é o lucro, é a falta de pudor, de ética! E, sobretudo, falta de concorrência (5 bancos detêm 80% do mercado: oligopólio abominável, verdadeiro cartel); aliás, falar em concorrência entre bancos no Brasil é uma heresia.
(vii) Quem usar $ 1 mil reais de cheque especial, mesmo com juros de 8%, no final de 12 meses é devedor de $2.518 reais! Como é que se pode esperar crescimento econômico no Brasil com essas travas medonhas no crédito?
(viii) Cerca de 80 milhões de brasileiros têm cheque especial; 19 milhões (limite até $500 reais) estão isentos da tarifa nova, mas 61 milhões vão pagá-la. Quanto os bancos vão faturar com isso?
(ix) A dívida atual do cheque especial é de $ 26,5 bilhões. Quase 15% não têm condições de pagá-la e não pagam. Não é possível fazer um seguro para isso?
(x) Falou-se que o limite de 8% foi uma imposição de alguns políticos. Nós, os políticos, sem a força conjunta da sociedade mobilizada, ainda não temos essa potência anunciada contra os bancos (que são financiadores de algumas campanhas eleitorais; as pesquisas mostram isso – v. Bruno Carazza, Direito, eleições e poder).
(xi) Nossa luta pela redução dos juros escorchantes cobrados no Brasil não pode parar. Também no caso do cartão de crédito os juros são ainda uma aberração! Temos que amadurecer nossa revolução sem violência (“O dia em que a Terra parou”) contra todas essas injustiças. A decência nos impõe esse dever! De bancos precisamos, mas não de seus abusos e excessos. Se você não precisa do cheque especial, fale com seu gerente e cancele-o.
* Luiz Flávio Gomes, professor, jurista e deputado federal contra a corrupção.
Este texto foi produzido com a colaboração do jornalista Davi Paiva.
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