O atual desafio institucional da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão da Advocacia-Geral da União, é ampliar a noção de cidadania fiscal e se aproximar do contribuinte que pretende regularizar sua situação perante a Dívida Ativa da União (DAU).
Nos últimos 30 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a realidade da PGFN mostrou que o escopo das execuções fiscais de recuperação dos créditos públicos é missão extremamente complexa que somente pode ser enfrentada com um diálogo constante com os contribuintes, o Congresso Nacional, advogados públicos e privados e, em especial, com o próprio Poder Judiciário.
De fato, não durou muito para que o modelo antagônico de propor execuções fiscais a qualquer custo se mostrasse fracassado e pilhas de processos recheados de providências inúteis, de pouca ou nenhuma eficácia, passaram a ser cena comum nos fóruns brasileiros.
Em julho de 2011, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elaborou, com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), um relevante relatório intitulado “A execução fiscal no Brasil e o impacto no Judiciário”. O referido estudo verificou que 1/3 das ações em tramitação no Judiciário brasileiro eram execuções fiscais e que, no âmbito da Justiça Federal, o tempo médio de tramitação desse tipo de processo era de 8 anos, 2 meses e 9 dias. A conclusão foi no sentido de que a morosidade do processo executivo resultava, fundamentalmente, de “uma cultura organizacional burocrática e formalista, associada a um modelo de gerenciamento processual ultrapassado, que torna a execução fiscal um procedimento moroso e propenso à prescrição”[1]
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Era preciso, portanto, reconhecer a ineficiência do velho modelo de cobrança de créditos públicos e repensar essa política pública, de inegável repercussão econômica, com os olhos para uma sociedade carente de justiça fiscal.
Por esse motivo, desde 2016 a PGFN, inspirada em modelos vigentes em outros países, em especial naqueles integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), passou a incorporar práticas mais modernas, para a gestão de sua carteira de créditos trilionária – hoje, há mais de R$ 2 trilhões inscritos em Dívida Ativa da União (DAU).
PublicidadeO primeiro passo nessa linha foi a edição da Portaria PGFN 396/2016, que instituiu o chamado Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos – RDCC, calcado em quatro premissas básicas: i) automatização da coleta de informações das bases de dados fiscais e patrimoniais; ii) utilização de meio extrajudiciais para a cobrança; iii) aprimoramento dos sistemas informatizados de gestão de parcelamentos, facilitando seu acesso aos contribuintes; e iv) monitoramento gerencial dos devedores que têm condições de pagar e buscam discutir judicialmente a dívida para que seus processos sejam priorizados e resolvidos da maneira mais célere possível.
Em pouco mais de dois anos, mais de 1,3 milhão de processos de execução fiscal foram arquivados graças às medidas de racionalização da tramitação processual viabilizadas por esse novo modelo de cobrança, cuja nova metodologia permitiu ao órgão atingir, em 2017, a maior arrecadação da sua história, com R$ 26,1 bilhões recuperados em favor da União e do FGTS.
Esse esforço institucional foi reconhecido, recentemente, pelo Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, na Nota Técnica 11/2018, na qual é enaltecida “a racionalização da cobrança da dívida ativa pela PGFN, com ênfase aos denominados “grandes devedores” e a créditos de maior potencial de recuperabilidade, implicando sensível redução do acervo ajuizado.”[2]
A estratégia de racionalização e de desjudicialização da cobrança busca agora um novo patamar. Mais que cobrar créditos, a PGFN almeja, efetivamente, dialogar com os contribuintes em prol da ampliação da cultura da cidadania fiscal, mediante o estabelecimento de uma relação harmoniosa entre o órgão de advocacia do Estado e seu principal cliente, o cidadão.
O reconhecimento legislativo desse novo paradigma de atuação veio em 9 de janeiro de 2018, com a publicação da Lei 13.606/2018, que, com vistas a reduzir a litigância inócua, expressamente autorizou a PGFN a condicionar o ajuizamento de execuções fiscais à verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica dos devedores ou corresponsáveis, tudo isso mediante a observância de critérios de racionalidade, economicidade e eficiência. A diretriz institucional agora é regra legal e, desde então, são levadas a Juízo apenas demandas com perspectiva real de sucesso, assim consideradas aquelas em que, de fato, há indícios de que haverá uma efetiva constrição patrimonial.
Ainda em janeiro de 2018, a PGFN disponibilizou em seu site o Canal de Denúncias Patrimoniais (CDP), no qual qualquer cidadão, inclusive de maneira anônima, pode interagir com a instituição apresentando informações sobre a existência de sócios ocultos ou de patrimônio de devedores da União e do FGTS. Trata-se da incorporação ao sistema brasileiro, ainda que de maneira embrionária, do chamado “whistleblower” ou “reportante”, fundamental em diversos países para a obtenção de informações sobre fraudes fiscais.
Em seguida, foi editada a Portaria PGFN 33/2018, que estabeleceu um novo fluxo para o controle de legalidade das inscrições em dívida ativa, reconhecendo diversos direitos e garantias dos contribuintes, estabelecendo critérios a respeito da forma de notificação da cobrança e ajuizamento de execuções fiscais, e que já foi aprimorada a partir de sugestões de outros órgãos, de juristas e de contribuintes presentes em diversas audiências públicas realizadas pelo país.
E mais, ainda sob a perspectiva da ampliação do diálogo, a Portaria PGFN 360/2018 autorizou a realização de modalidades específicas de negócio jurídico processual, instituto previsto nos artigos 190 e 191 do Código de Processo Civil, de modo a permitir a calendarização de atos processuais, e a celebração de ajustes sobre o modo de cumprimento de decisões judiciais, a confecção ou conferência de cálculos judiciais e outros acordos de índole processual que sirvam à resolução mais célere dos feitos judiciais.
Restrições que ainda existiam ao atendimento a advogados nas unidades da PGFN foram superadas pela PGFN 375/2018, cujo texto foi articulado em conjunto com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, no último dia 13 de agosto, dois dias após a comemoração do Dia do Advogado, a PGFN deu um salto definitivo para a superação do modelo arcaico de cobrança exclusivamente litigiosa com entrada em funcionamento do Portal Regularize![3]
Trata-se de canal de comunicação entre a instituição e os contribuintes que permitirá a formulação direta de pedidos de revisão de débitos inscritos, adesão a parcelamentos, oferta de garantias administrativas, entre outros serviços. Tudo isso é consentâneo com o projeto de recategorização da cobrança da dívida ativa para um modelo que vise não apenas incrementar a arrecadação, mas elevar o sentimento de justiça fiscal no seio da população brasileira, que tenha no procurador da Fazenda Nacional alguém disposto a analisar detidamente seus pleitos administrativos sobre créditos inscritos e fornecer as orientações jurídicas necessárias sobre como o cidadão ou a empresa deve proceder para alcançar a tão almejada regularidade fiscal.
[1] http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/2d53f36cdc1e27513af9868de9d072dd.pdf, acessado em 13 de agosto de 2018.
[2] http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/nucleo-de-estudo-e-pesquisa/notas-tecnicas/nt-11_execucao-fiscal/@@download/arquivo, acessado em 13 de agosto de 2018.
[3] https://www.regularize.pgfn.gov.br, acessado em 13 de agosto de 2018.