Heitor Peixoto*
“Os invasores europeus [e seus aliados ‘nacionais’] são a mesma classe que continua governando o Brasil até hoje. (…) Hoje são bilionários e continuam parasitando o Brasil”.
“A invasão do branco europeu ao continente americano teve uma expressão sexual: o estupro da indígena e da negra africana. Nosso ‘descobrimento’ foi uma invasão. Nossa ‘miscigenação’ foi uma violação (estupro, violência sexual)”.
“Hoje somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo e não podemos comê-los, pois são produzidos para exportação, e cotados em dólar”.
“Hoje somos um dos maiores produtores de minério de ferro, e importamos trilhos de trem da China. Hoje somos um dos maiores produtores de celulose, e importamos bíblias em português, vindas, também, da China”.
Observações ácidas que dão o tom do livro “Revoluções e revoltas do povo brasileiro”, lançado neste turbulento 2020 pela Editora Sundermann.
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A obra traz uma coletânea de textos sobre uma dezena e meia de revoltas populares deflagradas ao longo dos mais de 500 anos de nossa história oficial.
O autor das aspas destacadas acima e organizador da obra é o professor, pesquisador e militante de esquerda Nazareno Godeiro. Ele, a propósito, frisa de saída uma máxima consolidada, tal a sua verificabilidade prática: a história é escrita pelos vencedores.
A história mostrada nas cerca de 200 páginas, contudo, vai muito além. Em sua essência, refuta a alegoria de um povo brasileiro “pacífico, pacato”, e revela a importância e o peso dos movimentos populares da formulação de nosso país, de nossa sociedade e das relações aqui estabelecidas.
Sem medo de dar spoiler, endossa, ao final, a máxima de Leon Trotsky: “Todas as revoluções são impossíveis até se tornarem inevitáveis”.
Leia a entrevista com o organizador do livro:
Por que, mesmo no século 21, com tantos avanços nas ciências e nos estudos históricos, continua prevalecendo a versão de que o povo brasileiro é pacífico, acompanhada de uma cristalizada subestimação ou desconhecimento das lutas populares ocorridas ao longo dos últimos 520 anos?
A história, geralmente, é escrita pelos vencedores. No Brasil, os invasores europeus associados com uma aristocracia burguesa “nacional” foram os vencedores. É a mesma classe que continua governando o Brasil até hoje. O senhor de engenho se transformou em usineiro do agronegócio e banqueiros que enriqueceram utilizando trabalho escravo nos cafezais paulistas posam de filantropos. Hoje são bilionários e continuam parasitando o Brasil, vivendo às custas do suor e do sofrimento da classe trabalhadora brasileira.
Classe trabalhadora que, segundo um estudo científico publicado na Folha de S. Paulo do dia 23 de setembro de 2020, é composta por 70% de descendência afro-indígena: “As análises até agora mostram uma predominância de DNA mitocondrial (que é herdado da mãe) proveniente de populações africanas (36%) e nativas americanas (34%)”.
Que segredos quer esconder a burguesia? O primeiro: quem construiu este país com o suor do seu trabalho foram os povos afro-indígenas. Branco europeu não trabalhava, a classe trabalhadora brasileira durante quatro séculos era, exclusivamente, indígena ou negra. Ocultam este fato para esconder seu papel parasitário na história do Brasil.
O segundo segredo: querem esconder a luta dos povos afro-indígenas, que protagonizaram inúmeras revoltas e revoluções: tivemos 200 anos de resistência indígena, em todo o território, contra a escravização e o genocídio que dizimou 90% dos povos originários. Foram 350 anos de resistência negra, em que tivemos milhares de quilombos, com cerca de 500 mil negros rebelados e 38 insurreições negras, que cumpriram um papel revolucionário no Brasil.
Ademais, tivemos a Revolução dos Alfaiates em 1789, na Bahia, as revoluções pernambucanas de 1817, 1824 e 1848, a Cabanada em 1832 no interior de Pernambuco e Alagoas, a Cabanagem na Amazônia em 1835, a Revolta dos Malês na Bahia em 1835, a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul em 1835, a Balaiada no Maranhão em 1838, a Guerra de Canudos em 1896 no sertão da Bahia, a Revolta da Chibata em 1910 no Rio de Janeiro, a Guerra do Contestado em 1912 no Paraná e Santa Catarina e várias outras revoltas, que demonstraram o heroísmo e a tradição de luta do nosso povo.
Querem esconder também o papel contrarrevolucionário da aristocracia burguesa nacional, que enforcou e esquartejou as lideranças destas lutas, expondo em praça pública os corpos estraçalhados. Duque de Caxias, alçado como “herói”, teve as mãos manchadas com o sangue do povo brasileiro e paraguaio. Assim, na história contada pelos vencedores, o fim da escravidão negra é resultado da generosa ação de uma princesa branca, e não da luta secular do povo negro brasileiro.
O terceiro segredo: querem iludir o povo quando afirmam que há no Brasil uma “democracia racial”, onde não existiria racismo, e teria ocorrido, no decorrer dos séculos, uma mistura de raças que criou um povo pacato, alegre e pacífico. Mentira!
A invasão do branco europeu ao continente americano teve uma expressão sexual: o estupro da indígena e da negra africana. Nosso “descobrimento” foi uma invasão. Nossa “miscigenação” foi uma violação (estupro, violência sexual).
Essa afirmação está comprovada cientificamente na mesma pesquisa citada anteriormente, em que se comprovou que a herança genética do povo brasileiro, por parte de mãe, tem 70% de origem afro-indígena, e por parte de pai, 75% vem de uma herança genética europeia.
Esse resultado surpreendente não decorre da inexistência de homens indígenas ou negros. Revela o extermínio generalizado dos homens indígenas e da violência sexual, usada como arma de guerra pelo branco europeu, contra a indígena e a negra.
A violência sexual foi um componente importante da invasão europeia e deve ser realçada, pois continua até hoje, no estupro trivializado e no feminicídio generalizado, principalmente de mulheres negras.
O quarto segredo: na lei de terras de 1850, a classe governante branca não permitiu a entrega de terra aos negros e negras, para impedir a ascensão social negra na sociedade após o fim da escravização. Isso empurrou o povo negro brasileiro a realizar os piores serviços, enquanto a burguesia iniciou o “embranquecimento” do país com a importação de imigrantes pobres europeus, descendentes de raças “civilizadas”.
Concluindo: essa visão histórica deformada superestima o papel da classe dominante, e tenta apagar a trajetória de luta do povo brasileiro, para que as novas gerações não sigam o exemplo heroico dos seus antepassados.
Por isso, o capitão-do-mato atual, Bolsonaro, com seu cabo na Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, já avisou: o incentivo ao Dia da Consciência Negra (que rememora a luta do Quilombo dos Palmares, de Zumbi e Dandara) será ZERO. Assim mesmo, zero maiúsculo!
Provavelmente, usará toda a verba para louvar a Princesa Isabel no dia 13 de maio.
Também na apresentação do livro, aponta-se como uma das causas de revoluções o ataque do imperialismo e da burguesia sobre os países pobres e sobre a classe trabalhadora. Que ataques ocorrem neste momento, e qual o potencial deles para suscitar movimentos revolucionários, no Brasil e no exterior?
São dois ataques, desferidos contra o país e seus trabalhadores, ambos de grande magnitude histórica: o primeiro é a recolonização do Brasil, e o segundo é a semi escravização da sua classe trabalhadora.
O primeiro grande ataque é a recolonização do Brasil, que vem desde 1990, com o nome de “neoliberalismo”. Ele foi imposto ao país pelo capital internacional, que retrocedeu o Brasil de quarto país industrial do mundo a um mero país agroexportador. Este ataque teve o apoio de todos os setores da burguesia nacional.
Hoje somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo e não podemos comê-los, pois são produzidos para exportação e cotados em dólar. Estamos importando feijão, arroz, trigo, batatas, hortifrutigranjeiros para que sobre terra produzindo soja, cana e capim (para alimentar 216 milhões de cabeças de gado) para exportação.
Hoje somos um dos maiores produtores de minério de ferro, e importamos trilhos de trem da China. Hoje somos um dos maiores produtores de celulose, e importamos bíblias em português, vindas, também, da China.
O mesmo se passa com o petróleo e os combustíveis: o Brasil é autossuficiente em ambos e, brevemente será um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Esse grande acontecimento, ao invés de ser uma bênção para o país, se converteu numa maldição: Bolsonaro está desmontando e privatizando a Petrobras, para que essa riqueza não seja industrializada aqui, e sim nos Estados Unidos, que industrializam o óleo cru e nos vende, na forma de derivados, a preços muito mais altos, como já ocorreu em 2019.
Como resultado desta recolonização do país, se deu a reprimarização da economia e a destruição da indústria nacional. Assim nos convertermos em “celeiro do mundo” e retornamos a uma economia colonial.
Na visão da burguesia, este retrocesso histórico do Brasil, aparece embelezado na propaganda da Rede Globo como “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”.
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Este retrocesso histórico quer saquear as riquezas naturais do país, e converter o Brasil numa miserável colônia dos Estados Unidos.
O segundo grande ataque é a semi escravização da classe trabalhadora, com perda geral de direitos sociais, no desemprego generalizado e na “uberização” da mão de obra, ganhando por trabalho realizado, sem garantia do que comer no dia seguinte.
Desde 2018, temos 78 milhões de desempregados e subempregados, números que aumentaram com a pandemia e a grave crise econômica que seguirá no país por vários anos. Uma massa impressionante de trabalhadores deixou de produzir, porque os grandes empresários consideram-na supérflua. Isto significa uma perda de riqueza no valor de R$ 7 trilhões de reais, valor que representa cerca de 100% do PIB no país.
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É a destruição do ser humano e do saber nacional. Numa sociedade socialista, todos estes seres humanos estariam produzindo riqueza, permitindo a redução da jornada de trabalho pela metade.
Esse imenso exército de desempregados e subempregados revela a decadência do sistema capitalista. O Brasil, doravante, não consegue mais desenvolver-se pela via do sistema capitalista colonial. E o mais trágico é que, a cada ano, mais dois milhões de jovens ingressam no mercado de trabalho para engrossar as filas de desempregados.
Podemos concluir, portanto, que com o neoliberalismo o Brasil está estagnado e, a partir de 2014, em franco retrocesso. Temos três décadas perdidas no Brasil, com crescimento médio abaixo do crescimento populacional. De 2014 para cá, tivemos uma queda na economia da ordem de 8%.
Essa destruição ocorre desde 1990, realizada tanto por governos de “direita” quanto de “esquerda”, e deu um salto agora, no governo de ultradireita de Jair Bolsonaro.
Justamente para acelerar a colonização, o saque e a destruição do Brasil, é que foi alçado à presidência o capitão-do-mato Jair Bolsonaro que, “coincidentemente”, bate continência para a bandeira dos Estados Unidos.
Bolsonaro é um produto genuíno do capitalismo brasileiro em fim de carreira. O capitalismo não tem mais como desenvolver o Brasil, porque é dominado pelos grandes conglomerados internacionais, que não estão nem aí para o povo brasileiro. A burguesia “brasileira” é cúmplice desta recolonização porque é sócia minoritária do negócio chamado Brasil.
A orientação de transformar o Brasil em uma colônia dos Estados Unidos, o saque dos recursos naturais, a destruição da natureza e do ser humano, a impossibilidade do sistema capitalista desenvolver o país e melhorar as condições de vida da população, todos esses elementos reunidos nesta grande crise nacional detonarão grandes transformações revolucionárias no Brasil.
A quarta capa do livro traz uma frase de Leon Trotsky: “Todas as revoluções são impossíveis até se tornarem inevitáveis”. E já na apresentação, fala-se em conhecer as históricas revoltas do povo brasileiro, como “condição para um verdadeiro programa revolucionário adequado ao Brasil do século XXI”. Gostaria que o senhor analisasse o quanto o Brasil precisa de uma revolução nos dias de hoje, e o quão factível ela lhe parece no horizonte.
A revolução já se tornou inevitável no Brasil. Basta olhar a realidade para ver que um punhado de bilionários aumentou suas fortunas durante a pandemia enquanto a classe trabalhadora está perdendo a vida, a moradia, o emprego, o salário e até o direito de alimentar-se, dependendo da “boa vontade” de um governo genocida lhe oferecer uma “ajuda emergencial” provisória (até dezembro de 2020) e cortada pela metade.
Após dezembro, de que viverão mais de 100 milhões de trabalhadores desempregados e subempregados no Brasil? Que dizer de uma sociedade que não é mais capaz de garantir a sobrevivência da maioria da sua população?
A revolução se converteu na necessidade número um para salvar o país e seu povo da barbárie capitalista. É muita hipocrisia da classe dominante dizer que a culpa é do coronavírus. Não é a pandemia que está destruindo o Brasil, mas a burguesia e o imperialismo que não estão mais investindo no país: para comprovar esta afirmação, basta ver os dados do IBGE, nas “Estatísticas do Século XX – IBGE” [1], com dados disponíveis desde 1908 da taxa de investimentos. Aí vemos que de 1945 a 1990, a burguesia e o imperialismo fizeram investimentos importantes no país, porém, a partir de 1990, caem drasticamente os investimentos, como demonstra o gráfico abaixo:
É evidente, para quem quer ver, que as grandes empresas nacionais e multinacionais não estão mais investindo no Brasil. Basta ver a VW, Ford, GM, Embraer e tantas outras grandes empresas demitindo em massa seus trabalhadores e rebaixando drasticamente os salários.
Basta ver a destruição da Petrobras, que começou em 2014, no governo de Dilma Rousseff, e que deu um salto agora com o carcará sanguinolento. Ela, que é a maior empresa da América Latina e a mais rentável de todas as empresas petroleiras de capital aberto do mundo, está sendo desmontada, quebrada e vendida a preço de banana para as grandes petroleiras multinacionais.
Basta ver a destruição da indústria brasileira, morrendo à mingua, com o fechamento generalizado de empresas. Basta ver a quebradeira geral de milhões de pequenos negócios nas cidades e pequenos produtores do campo.
Basta ver a destruição generalizada da natureza e dos animais, os incêndios na Amazônia e no Pantanal, a destruição do Cerrado, Mangues e Mata Atlântica, para abrir novas fronteiras ao agronegócio multinacional exportador, o óleo disseminado nas praias do Nordeste, o crime da Vale em Brumadinho e Mariana, com suas barragens destruindo as Minas Gerais.
Basta ver a destruição do ser humano, estampada nos trágicos números de mortos pela covid-19, que, segundo o governo, chegou a 160 mil, mas que de acordo com a Organização Mundial da Saúde, deve haver aproximadamente o dobro de mortes, a maioria pretos e pobres.
“Destruição” é a palavra-chave que sintetiza o programa da burguesia e do imperialismo para o Brasil do século 21. Todos estes trágicos acontecimentos demonstram que o capitalismo está arruinando o Brasil e o seu povo, enquanto a burguesia, os bancos e multinacionais se tornaram multibilionários.
Repetimos: a revolução se tornou a necessidade número um do povo brasileiro, justamente porque estamos passando por uma crise de grandes proporções. É um momento histórico similar ao que o Brasil passou em 1889, 1930, 1964, 1982.
A revolução é factível porque é a única possibilidade de impedir que os poderosos convertam o Brasil numa miserável colônia dos Estados Unidos, é a única possibilidade de impedir que seus trabalhadores sejam escravizados novamente e é a única possibilidade de impedir a imposição de uma ditadura militar no país que mate “30 mil comunistas”.
A revolução não só é factível como já está ocorrendo na América Latina, como vimos no Chile e no Equador em 2019, e está adentrando nos países ricos, através do levante negro nos Estados Unidos. Se avizinham momentos de grande enfrentamento de classes, de enfrentamentos entre revolução e contrarrevolução no Brasil, na América Latina e no mundo.
O livro fala também sobre a necessidade de se “reagir com armas na mão”, e de uma “revolução violenta” contra o capitalismo, que “só tem a oferecer exploração e miséria”, entre outras mazelas. Paradoxalmente, a pauta do armamento está na mão da direita, quase duas décadas após um estatuto do desarmamento sancionado por um governo pretensamente progressista (a lei é de dezembro de 2003, assinada pelo então presidente Lula). Como resolver essa contradição, e viabilizar o movimento revolucionário agora?
Nos últimos 50 anos, o Brasil já experimentou as duas formas de governo da burguesia: a ditadura militar de 1964 a 1984, um regime baseado na violência que, apesar do “milagre brasileiro”, terminou por produzir uma estagnação econômica que dura até hoje. O Brasil também experimentou 36 anos de democracia, com eleições regulares de dois em dois anos. Uma “democracia” que serviu para os ricos se tornarem mais ricos e levou o país à beira do precipício.
Ditadura e democracia são duas formas da burguesia governar, a mão direita ou mão esquerda que, utilizando métodos diferentes, governam para os grandes bancos, grandes empresários e multinacionais.
O projeto de destruição e colonização do Brasil necessita da força e da violência estatal para derrotar toda oposição política. Para isso, a burguesia vai introduzindo elementos repressivos institucionalmente, no próprio regime “democrático”, enquanto um setor desta classe prepara as condições políticas para um golpe militar, caso se torne necessário diante de uma explosão social.
Bolsonaro está aplicando rigorosamente esse plano de destruição e saque do país, enquanto defende a instauração de uma ditadura militar no Brasil. Porém, ele não tem força, hoje, para realizar esta tarefa: 90% da população não quer uma ditadura militar, que encontra resistência também entre os grandes setores empresariais do país e estrangeiros, que preferem, hoje, seguir explorando e oprimindo o povo através da “democracia”.
Tentar um golpe militar nas condições políticas do Brasil de hoje é arriscado, e o tiro pode sair pela culatra, como ocorreu na Venezuela em 2002. O golpe militar fracassou, derrotado pelas massas nas ruas. Durante dois dias, com a ida de Chávez para o exílio, o controle do país caiu nas mãos do povo pobre dos morros de Caracas. Foi preciso trazer Chávez de volta para pacificar a população, que se armou massivamente contra o golpe militar, inclusive atraindo a base das FFAA para o lado da revolução.
Por isso, a burguesia e o imperialismo são cautelosos em usar essa saída de força, só utilizando-a quando está prestes a perder o controle da situação. A grave crise econômica, política e social que seguirá à pandemia pode gerar um enfrentamento entre a revolta do povo e a contrarrevolução burguesa.
Bolsonaro está armando a contrarrevolução, arregimentando o alto comando das FFAA para a saída golpista, ao mesmo tempo em que arma as milícias paramilitares, para o caso que tenha que usar uma violência por fora da institucionalidade burguesa.
Seu blá blá blá sobre “armamento do povo” não passa de fake news para enganar os trabalhadores: a população não tem dinheiro para comprar uma arma e fazer um protocolo de legalização super burocrático, que leva mais de uma semana e gasta cerca de R$ 500 só para registrar uma arma de fogo, que obrigatoriamente deve ficar em casa. Ter porte de arma de fogo no Brasil, andar com ela na rua é impossível para o cidadão comum, inclusive agora sob o governo Bolsonaro.
Assim, a revolução é a única forma de defender o Brasil da dominação estrangeira, da ditadura militar e do poder paralelo das milícias contrarrevolucionárias. A revolução socialista não é um golpe armado, diferenciado apenas porque é realizado por muita gente. Ela só ocorre em situações muito especiais, em que a massa do povo se encontra em uma situação insustentável, e assume as rédeas do poder, através de mobilizações revolucionárias.
Necessita um alto grau de consciência e de organização da classe trabalhadora. Ocorre em momentos excepcionais, e diante de uma agressão da classe burguesa, que empurra a ampla maioria da população para realizar ações revolucionárias. Por isso, o armamento geral da população nesses momentos se realiza naturalmente, além de atrair uma parte considerável da tropa para o lado da revolução.
Portanto, a revolução não é uma conspiração de uma minoria “comunista” que dá um golpe de Estado. É uma maré revolucionária que se prepara durante décadas nos rincões mais profundos do povo, e se desencadeia com uma força impressionante, derrubando todos os obstáculos que se antepõem a ela.
As revoluções ocorrem muito excepcionalmente, por isso mesmo, elas trazem consigo um projeto de uma nova sociedade, socialista, e uma ruptura com a velha estrutura social que dominou por séculos, o capitalismo.
Ao mencionar que houve dezenas de conflitos regionais contra o poder central, o livro pondera que inicialmente os movimentos eram dirigidos pela burguesia local com o apoio popular, e depois migravam de revoluções burguesas para revoluções populares. Ouvimos por diversas vezes nos últimos anos verbalizações sobre a prevalência de uma passividade no atual momento. Uma revolução nos dias de hoje continua dependendo de um gatilho burguês? Quão mais difícil fica o acionamento desse estopim, em tempos marcados pelo capitalismo de vigilância, precarização do mundo do trabalho e existência de um exército de mão de obra de reserva especialmente no setor de serviços?
A particularidade da burguesia brasileira é que todo crescimento da sua riqueza e poder provinha da relação com o mercado mundial, portanto, quanto mais capital acumulava e poder adquiria, mais perdia a disposição revolucionária para governar o país por conta própria. Por isso, não tivemos uma verdadeira independência no país – na verdade, foi uma farsa – e tampouco se realizou a revolução burguesa. Essa peculiaridade histórica do Brasil é o que determinou seu atraso secular, à diferença dos Estados Unidos, onde a burguesia liderou uma revolução violenta, que garantiu a independência do país e acabou com a escravidão negra.
A classe dominante “brasileira” cumpriu um papel contrarrevolucionário na história do país, apoiando a centralização reacionária do Império e subordinando-se ao domínio inglês. Durante muitas décadas, prevaleceu na esquerda brasileira, disseminada pelo Partido Comunista Brasileiro, uma visão idílica de uma burguesia “nacional” progressista, que os trabalhadores deveriam apoiar.
Porém, o suicídio de Getúlio Vargas, por um lado, e a adesão em massa da burguesia ao golpe contrarrevolucionário de 1964, patrocinado pelos Estados Unidos, jogou uma pá de cal nesta ilusão do Partido Comunista.
Décadas depois, o PT, Psol e PCdoB, realimentaram essa ilusão, e seguem buscando uma burguesia que alavanque o desenvolvimento nacional. Por isso, quando chegaram ao governo, se aliaram com esta suposta burguesia progressista (Sarney, Temer, Renan Calheiros, os irmãos Batista da JBS-Friboi, os usineiros do agronegócio, “heróis nacionais”), e terminaram governando para os ricos, perpetuando a dominação burguesa e imperialista sobre o país.
O PT não aprendeu nada com seus erros no governo: hoje estão coligados nas eleições para as prefeituras com o PSL de Bolsonaro em 136 cidades, com o DEM de Rodrigo Maia em 302 cidades, com o PP de Maluf em 556 cidades, com o PSDB de Doria e FHC em 313 cidades, com o MDB de Temer em 605 cidades etc. O PCdoB repete estas coligações em centenas de cidades com os mesmos partidos burgueses. O Psol fez coligação com PSDB, MDB, DEM e PSC.
Essa ideologia, desenvolvida pelo stalinismo e pela social democracia no interior da classe trabalhadora – a de que existem setores progressistas na classe burguesa nacional e internacional – não passa de uma ilusão que termina em desgraça.
Há cerca de 200 anos, nas revoluções que ocorreram na Europa e no mundo, incluindo o Brasil, a burguesia deixou de dirigir revoluções, e se tornou uma classe contrarrevolucionária, como demonstramos abundantemente no livro “Revoltas e revoluções do povo brasileiro”, recém publicado pela Editora Sundermann.
Isso não quer dizer que não existam enfrentamentos entre os diversos setores burgueses. Tal fato ocorre permanentemente na história de todos os países. Inclusive essa divisão entre os de cima é uma condição para haver uma revolução dos de baixo.
O gatilho (start) para uma situação revolucionária pode surgir de um enfrentamento entre setores burgueses, por exemplo, entre aqueles que querem implantar uma ditadura e outros que preferem utilizar a velha “democracia” burguesa.
Porém, pelo ataque brutal que o capitalismo está realizando contra os trabalhadores, piorando drasticamente as condições de vida, o “fusível” da democracia burguesa está queimando, e o regime político se esgarça em crises atrozes, em meio a um mar de lama. Por isso, um setor da burguesia mundial, tendo Donald Trump à cabeça, começou a preparar e executar golpes militares, a exemplo do que fizeram na Bolívia em 2019.
Esse possível desdobramento da crise política do país não quer dizer que um setor da burguesia vá cumprir um papel progressista ou revolucionário. Este setor “democrático” da burguesia prefere a democracia burguesa, porque é um regime político que permite fluir melhor seus negócios. Mas isto é um cálculo político desses setores burgueses, e não os transformam em progressistas ou revolucionários.
Historicamente, a democracia burguesa sempre foi o melhor regime para os negócios da burguesia, porque permite trocar governos como quem troca fusíveis “queimados”, através de eleições. No entanto, trocar um ditador instalado no poder exige uma revolução, e isso pode abrir as portas para a vitória de uma revolução socialista, como ocorreu na Rússia, em fevereiro de 1917, na China em 1949 e em Cuba no ano de 1959. Por isso, setores importantes da burguesia temem utilizar regimes ditatoriais, e só apelam a eles quando está em perigo a ordem burguesa.
A classe trabalhadora pode, em determinadas situações, por exemplo, diante de uma tentativa de um golpe militar, realizar uma união na luta com este setor “democrático” para derrotar o setor golpista.
Porém, mesmo neste momento, que dura alguns dias no máximo, os trabalhadores devem manter sua completa independência na luta, e não podem apoiar nenhum setor da burguesia, porque a história mundial e a brasileira demonstraram que nenhum setor da burguesia é progressista, revolucionário ou verdadeiramente democrático. As divisões entre os de cima tem a ver com a melhor forma de dominar e explorar os de baixo, por isso, mesmo o setor “democrático” da burguesia pode, em outras circunstâncias políticas, se passar de armas e bagagens para uma saída contrarrevolucionária, como ocorreu no Brasil em 1964 e no Chile em 1973.
Contudo, a revolução brasileira não terá um “gatilho burguês”. Muito provavelmente, o estopim da revolução brasileira será a reparação histórica aos povos afro-indígenas.
São os negros e negras, indígenas, imigrantes, mulheres e pobres em geral, que constituem a maioria da classe trabalhadora. São os setores mais explorados e oprimidos pelo capitalismo no Brasil e no mundo, como ficou evidente na pandemia do coronavírus. Serão os primeiros a levantar-se contra o capitalismo mundial.
O sistema capitalista mundial só existe hoje porque se assentou no maior genocídio da história. Exterminou 63 milhões de indígenas na América, de uma população de 70 milhões que habitavam o continente americano quando os invasores europeus chegaram. Ademais, restaurou a escravização de mais de 10 milhões de negros e negras africanas na América, tornando este comércio de seres humanos o negócio mais lucrativo do mundo naquele momento.
A riqueza da Europa e dos Estados Unidos foi roubada da África, Ásia e da América, dos povos não-brancos e dos povos originários americanos. Por exemplo: as 800 toneladas de ouro extraídas nas Minas Gerais por escravizados negros, foram parar nos cofres do banco Rothschild, em Londres. Assim nasceram os grandes bancos Barclays, Baring, Rothschild, Rockefeller e suas indústrias multinacionais.
A responsabilidade pela reparação, portanto, recai sobre o capitalismo imperialista. Ele é que deve pagar pelo sofrimento secular. Os povos originários e o povo negro têm direito ao território, ao trabalho, à alimentação e à soberania nacional. Resumindo: “reparação rima com revolução”.
A burguesia nacional e internacional, ao imporem o retorno ao Brasil colonial e a semi-escravização da mão-de-obra, empurram a classe trabalhadora para uma saída revolucionária, e desgasta a saída reformista do capitalismo, de conciliação de classes, preconizada pelo PT, PSOL e PCdoB, em que supostamente se poderia humanizar o capitalismo paulatinamente, através de reformas pacíficas conquistadas na institucionalidade burguesa.
Os últimos 30 anos, especialmente os 14 anos de governos petistas, mostraram a impossibilidade de se mudar o país de braços dados com os ricos. Demonstraram também o caráter contrarrevolucionário da burguesia brasileira, já comprovado em 520 anos de história do Brasil.
Portanto, a passividade que reina na sociedade é aparente. É a calma que precede a tempestade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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