João Pedro Casarotto *
O caso do Rio Grande do Sul é exemplar. A cada década, os governantes do estado anunciam um plano para fazer um ajuste fiscal e colocar a economia gaúcha nos trilhos.
Em 1998, quando atravessávamos uma crise em razão de medidas econômicas adotadas pela União, foi o Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, em que aceitamos a vinda de missões técnicas anuais do Ministério da Fazenda, que impõem e cobram metas. Entre elas, a da limitação dos investimentos.
Esse programa impôs a transferência, para a União, da dívida fundada do estado – que havia gerado, de 1991 a 1997, um serviço médio da dívida na ordem de 8,01% da receita líquida real, em troca de um único empréstimo com a União, que acabou gerando um serviço médio da dívida, de 1998 a 2015, de 16,7% desta receita.
A preço de dezembro de 2017, tomamos emprestados R$ 32,6 bilhões, pagamos R$ 42,2 bilhões e ainda estávamos devendo R$ 58,6 bilhões, decorrente de elevados índice de correção e de taxa de juros – que, de 1999 a 2017, variaram 1.379%, diante de uma inflação de 237%.
Esse contrato solapou a nossa autonomia, praticou o ilegal anatocismo, não previu a obrigatória cláusula de equilíbrio econômico-financeiro, transformou aquelas medidas econômicas em lucrativa operação financeira e ofendeu vários princípios constitucionais.
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No final de 2017, aditivos a esse contrato convalidaram tais valores, extinguiram o limite de comprometimento da receita para o pagamento das prestações, ampliaram o prazo por mais 20 anos – perfazendo um total de 50 anos – e adotaram novos índice de correção e taxa de juros, que, apesar de menores, continuarão sendo impagáveis.
Em 2008 foi o Programa de Sustentabilidade Fiscal para o Desenvolvimento – que, com o aval da União, contratou com o Banco Mundial empréstimo de US$ 1,1 bilhão (com o dólar médio cotado a R$ 1,80), comprometendo-nos a pagar parte do contrato de 1998 e a submeter as políticas públicas estaduais a esse banco.
Esse contrato prevê alterações aprovadas por duas pessoas, proibição de contencioso judicial – tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos –, um comitê arbitral formado por três pessoas, variação cambial, juros flutuantes mensais e extensa gama de custos administrativos e financeiros.
E agora, em 2018, por meio do Plano de Recuperação, estamos solicitando a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal que prevê um conselho de supervisão formado por três pessoas com amplos poderes, meta de apenas estabilizar a dívida, limitação de crescimento de despesas obrigatórias e privatização de estatais para quitar prestações que deixarão de ser pagas durante os três primeiros anos do regime.
Esse plano permite que o estado não pague outros dezesseis empréstimos avalizados pela União, que honrará o calote gaúcho cobrando-o após três anos.
E também, apesar do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, tome novos empréstimos, entre eles os destinados a programa de demissão voluntária, à auditoria da folha de pagamento, ao financiamento de leilões para o pagamento pelo menor preço de débitos não pagos, à antecipação do recebimento da dívida ativa e à antecipação dos valores da privatização das estatais. A um custo financeiro de aproximadamente R$ 500 milhões (20% do total do negócio), apesar da previsão de serem vendidas em, no máximo, sete meses.
Para a antecipar valores da dívida ativa serão estruturadas operações de lançamento de debêntures, que têm elevados custos financeiros e administrativos e que serão administradas por dois fundos especiais a serem geridos por pessoas de confiança dos governantes.
É preciso ressaltar que os valores pagos à União em razão desses empréstimos são destinados integralmente para o abatimento do estoque da Dívida Pública Federal (DPF).
A propósito, os valores que o Tesouro Nacional recebe a título de participações e dividendos pelas entidades integrantes da administração pública federal indireta também são destinados ao pagamento da DPF.
Mesmo assim, no período de dezembro de 1999 a dezembro de 2017, esse estoque passou de 3,4 para 7,2 vezes a receita corrente líquida anual da União.
Os programados desajustes fiscais dos estados estão provocando a instalação de uma nova Federação, onde esses entes se transformam em meras superintendências do ente União.
A drenagem destes recursos para o sistema da dívida se converte em um mecanismo de usurpação de renda da sociedade e o consequente enfraquecimento do mercado interno, gerando perdas de arrecadação tributária, inviabilizando o próprio pagamento de todas essas dívidas.
Indubitavelmente, o estamento burocrático que manda no Brasil é o responsável pelas atuais anomias governamentais, que produzem lastimável indigência. Inópia, até.
* Auditor fiscal aposentado do Rio Grande do Sul.
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