No dia 23 de fevereiro de 2005, logo após ser condenado em primeira instância a pagar uma indenização de R$ 760 mil por trabalho escravo, o senador João Ribeiro (PR-TO) ocupou a tribuna do Senado para rebater a acusação. Filiado ainda ao PFL (hoje DEM), o senador admitiu ter cometido “irregularidades trabalhistas”, mas disse que jamais compactuaria com a exploração de trabalhadores. “É muito forte dizer que um cidadão está escravizando alguém. Ninguém nunca foi proibido de entrar na pequena propriedade ou dela sair”, discursou. “Contudo, tentam imputar-me essa pecha de estar escravizando alguém”, acrescentou.
Um ano depois, João Ribeiro conseguiu reduzir o valor da multa em 90% na segunda instância. No mesmo pronunciamento, o senador contestou a ação do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, responsável pelo resgate de 35 trabalhadores em sua fazenda na divisa do Pará com o Tocantins. Mas reconheceu que não estava agindo de acordo com a legislação trabalhista.
“Não estou dizendo que estava certo com referência às questões trabalhistas, pelas quais paguei R$ 64 mil de indenização por tudo o que o ministério me imputou. Mas não posso ser tachado de escravizar alguém. Não aceito! Não posso concordar com isso!”, ressaltou.
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Aquela foi a segunda vez que João Ribeiro se manifestou sobre o trabalho escravo no plenário do Senado. Em 14 de junho de 2004, ele ocupou a tribuna para lamentar que um amigo fazendeiro havia se suicidado após ser acusado de manter trabalhadores em condição análoga à de escravo. Segundo ele, o amigo era vítima da “inconcebível truculência com que o Estado brasileiro vem tratando os produtores rurais que ainda não se adaptaram às novas exigências legais”. “Senhores fiscais do trabalho, complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”, conclamou.
O Congresso em Foco procurou o senador para comentar a respeito da denúncia em tramitação no STF. Mas não houve retorno por parte de sua assessoria. João Ribeiro está de licença médica. Leia a íntegra do discurso do senador em que ele rebateu a acusação de trabalho escravo:
“Senhora presidente, senhoras e senhores senadores, venho a esta tribuna para tentar esclarecer um pouco – infelizmente, o tempo não vai permitir-me aprofundar no assunto – à opinião pública brasileira e a esta Casa matéria veiculada hoje na imprensa, referente a uma multa que a Juíza de Redenção do Pará teria imputado a mim, por solicitação do Ministério Público Federal do Trabalho, devido a fiscalização realizada há um ano numa pequena propriedade que tenho no Município de Piçarra, próximo ao povoado de Boa Vista, no Pará.
PublicidadePrimeiro, senhora presidente, preciso esclarecer que, quando alguém lê aquela matéria ou ouve a notícia, tem a impressão de que o Senador João Ribeiro é um grande latifundiário deste país.
Senhora presidente, sou proprietário de uma fazenda de menos de 800 hectares, no Pará, num município vizinho à cidade de Araguanã, no estado do Tocantins, a cinco quilômetros do povoado de Boa Vista.
Quando lá estiveram, os fiscais e as pessoas que o acompanharam não encontraram sequer uma arma na propriedade. A minha fazenda não tem porteira. As pessoas passam pelo mata-burro. Ninguém nunca foi proibido de ir e vir. Grande parte dos trabalhadores mora no povoado de Boa Vista. Eles dormiam no povoado. Alguns iam de bicicleta e outros de moto. Os filhos do caseiro de minha propriedade, dessa pequena propriedade, estudam no povoado de Boa Vista. No julgamento, na 1ª instância, a senhora juíza decidiu que eu teria que pagar uma multa de R$760 mil.
Ora, senhora presidente, a propriedade não vale isso! Assim, seria melhor o governo ou o Ministério do Trabalho fazer um decreto de confisco e confiscar minha pequena fazenda, se é esse o desejo do governo, se é esse o desejo dos fiscais do Ministério do Trabalho.
Querer imputar ao senador João Ribeiro, um homem simples, que começou sua vida como vereador de Araguaína, que sempre foi ligado aos humildes, aos mais pobres, que tem uma trajetória política das mais bonitas deste país, um homem que não tem grandes posses, que sempre trabalhou ao lado dos humildes, prática de escravidão, porque encontraram irregularidades trabalhistas na minha propriedade, não posso aceitar, senhora presidente, senhores senadores! É muito forte dizer que um cidadão está escravizando alguém. Ninguém nunca foi proibido de entrar na pequena propriedade ou dela sair. Quando lá estiveram os fiscais do Ministério do Trabalho, encontraram apenas a cozinheira. Nem seu marido, que é o gerente da minha fazenda, encontrava-se no local, naquele momento, pois estava viajando, visitando familiares. Contudo, tentam imputar-me essa pecha de estar escravizando alguém!
Ora, senhoras e senhores senadores, é preciso esclarecer direito essa questão. No momento oportuno, talvez na próxima semana, pretendo voltar a esta tribuna para debater o assunto com esta Casa. Não podemos aceitar que tudo que se escreve seja verdade.
Pedi à senhora juíza no momento, meu sempre presidente José Sarney, pelo respeito que tenho a V. Exª e por ser jurista, que ouvisse a todos os trabalhadores, porque ninguém pode falar melhor da referida questão do que os trabalhadores que lá estavam trabalhando e ganhando o pão de cada dia. Disseram muitas inverdades os fiscais do Ministério do Trabalho. Disseram que eu cobrava alimentação dos trabalhadores no roço de pasto de uma propriedade que tem cem alqueires de pasto. Lá estavam roçando pasto, em um trabalho temporário que não demoraria 30 dias. Aqueles que lá foram encontrados ficariam no local por mais uma semana.
Não estou dizendo que estava certo com referência às questões trabalhistas, pelas quais paguei R$ 64 mil de indenização por tudo o que o Ministério me imputou. Mas não posso ser tachado de escravizar alguém. Não aceito! Não posso concordar com isso!
Por isso, senhora presidente, voltarei à tribuna para debater esse assunto com esta Casa, no momento oportuno.
É preciso que a imprensa brasileira, que todos nós esclareçamos melhor os fatos e não imputemos certas acusações indevidamente. Não se deve chamar alguém de escravizador de pessoas. É uma acusação muito forte, muito grave.
Sou contra esse tipo de atitude, senhora presidente. Se há alguém escravizando alguém neste país, não é o senador João Ribeiro. Estarei ao lado da Justiça para combater qualquer tipo de ação dessa natureza. Mas a minha propriedade nunca houve trabalho escravo nem haverá.
23/02/2005. Fonte: Senado”