Mais uma vez e a trabalho, estive em Santiago do Chile. Foi um convite do Instituto Lula para participar de um seminário sobre Desenvolvimento e Integração na América Latina.
Cada vez que vou a Santiago do Chile me vem à memória a primeira vez em que lá estive. Foi logo após a queda da ditadura, porém o medo ainda pairava sobre as cabeças, corações e mentes dos chilenos. Nas ruas, pouco se falava contra a ditadura e ainda se sentia certa desconfiança do passado recente. Pinochet estava vivo, recém tinha deixado o governo e sequer imaginava que um dia seria preso na Inglaterra a mando do juiz Garzón.
Na primeira vez em que fui ao Chile, início da década de 1990, constatei que muitos jovens estudantes estavam na rua pedindo dinheiro para pagar a universidade. Era resultado da privatização da educação feita pela ditadura militar chilena. Havia “pedintes” em todas as ruas e atacavam principalmente os turistas. Pedia dinheiro para pagar a faculdade, mas se você puxasse uma conversa sobre a ditadura e as privatizações, principalmente da educação, poucos continuavam a conversa. A maioria desconversava.
Não constatei isso em janeiro passado e tampouco agora, até porque na atual conjuntura eles podem ir às ruas para protestar e tem feito isso com vigor. Mas fazer protestos no Chile é muito difícil e tem que haver coragem, pois a truculência da polícia é terrível. Em janeiro deste ano, vi um pequeno protesto, pequeno pelo número de pessoas, mas grande na justeza. Protestavam contra as prisões de líderes indígenas do povo Mapuche. Um dos povos mais resistentes e, por isso, mais perseguidos da América do Sul. Eram cerca de 100 pessoas e contra eles um número igual ou um pouco maior de policiais que os atacavam. Atacaram com cachorros, brucutus, cassetetes, pancadas e jatos de água. Atacaram e prenderam, usando de violência.
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Na semana passada, tudo parecia mais tranquilo. Os chilenos estão num período eleitoral entre o primeiro e o segundo turno. No primeiro turno (17/11), se apresentaram nove candidatos, sendo três candidatas mulheres. Foram para o segundo turno a candidata da esquerda Michelle Bachelet (46,69% dos votos) e Evelyn Matthei (25%), esta última apoiada pelos saudosistas da ditadura.
Muito se fala do Chile, é o país exemplo da nossa direita, principalmente para PSDB e DEM, pela quantidade de Tratados de Livre Comércio que assinou e que continua discutindo e assinando. O Chile pode ter esses tratados, pois não tem parque industrial, é exportador de produtos primários e mais da metade de seu Produto Interno Bruto (PIB) é da venda de cobre. Mas poucos informam que o Chile é um país de altos índices de desigualdade social, mais de um terço de sua população é pobre e/ou miserável e que a democracia é engessada. O sonho dos chilenos é eleger mais uma vez Bachelet, pois essa é a possibilidade de colocar mais uma pá de terra sobre a ditadura militar liderada por Pinochet.
Os chilenos clamam por algumas reformas, entre elas a reforma constitucional. A atual Constituição é herança da ditadura. Ela limita a atuação do governo na execução de políticas e restringe o processo democrático. Engessa a democracia representativa e impede a participação popular nas decisões. Só para ter uma ideia: o presidente eleito só terá maioria no Parlamento se seus candidatos a deputados e senadores dobrarem o número de votos de seu concorrente. Assim, não importa se o presidente é de esquerda ou de direita. Só fará o prometido se for consentido.
Outra reforma clamada e reclamada nas ruas desde 2011 pelos estudantes é a reforma da educação. No Chile, todas as universidades são pagas e são caras. Os estudantes, cuja uma das lideranças, Camila Vallejo, foi eleita deputada pelo partido comunista chileno, pedem educação gratuita e de qualidade para todos.
No dia 15 de dezembro (segundo turno), o povo chileno volta às urnas para decidir seu futuro. Eleger Bachelet significa colocar mais uma pá de terra sobre a ditadura. E enterrar a ditadura é um sonho de todos os democratas, não só chilenos, mas de todo o mundo.