“E sem o seu trabalho, o homem não tem honra. E sem a sua honra, se morre, se mata…” (Gonzaguinha)
Fabio Rodrigues dos Santos *
Como reza antigo dito popular, “o trabalho dignifica e engrandece o homem”. Não se trata de um tema apenas pertinente. É uma necessidade premente a qualquer ser social, e também ao egresso. Eis o que anseia todo aquele que busca um harmônico processo de ressocialização: DIGNIDADE.
Seria redundante abordar as incontáveis dificuldades que boa parcela dos cidadãos “de bem” enfrenta para o ingresso ou recolocação no mercado de trabalho. Em se tratando do egresso, tal realidade toma proporções avassaladoras!
É mister ressaltar que as problemáticas intrínsecas a essa inserção tem raízes (sociais) bem mais profundas do que meramente a busca por colocação no mercado, quando esse indivíduo vê-se novamente no convívio social. Convém mencionar o disposto no Capítulo II, Artigo 6° de nossa Carta Magna: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
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Com conhecimento de causa, posso afirmar, sem correr o risco de ser leviano, que mais de 80% da população carcerária é oriunda das camadas mais inferiores da nossa pirâmide social, e que, desde sempre, estes indivíduos tiveram cerceado o acesso aos direitos sociais outorgados na Constituição. Já se encontravam à margem da sociedade e de reais possibilidades de ingresso no mercado de trabalho muito antes do seu incurso no mundo do crime ou de serem privados de sua liberdade.
Nesse mesmo curso, determina a Lei n°7.210/84, que rege a Execução Penal no Brasil, em seu Artigo 31: “O condenado à pena privativa de liberdade está OBRIGADO ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”. Essa mesma legislação prevê, em seu Artigo 41, Inciso II: “Constitui direito do preso atribuição de trabalho e sua remuneração!”
Para ilustrar a realidade do sistema, farei uma breve menção ao cenário da unidade prisional na qual estive: a uma população carcerária de cerca de 1.600 sentenciados, são oferecidas irrisórias 200 vagas de trabalho. E mais: sem critérios ou parâmetros definidos, apenas aqueles presos selecionados pela direção do estabelecimento penal são alocados. Soará surreal: nem ao menos atividades laborterápicas e/ou artesanais são permitidas!
Na sua grande maioria, o sentenciado no sistema prisional brasileiro é submetido a um cotidiano de extrema improdutividade; anos a fio sem contato com as evoluções no mercado de trabalho, novas tecnologias, métodos e processos produtivos. Enfim, o preso – por consequência, o egresso – vê-se à margem de real capacitação para o trabalho. Assim, são previsíveis os impactos negativos quando, retornando ao convívio social, esses indivíduos saem em busca de sua reinserção no mercado.
Ante tamanhos percalços, a busca por um trabalho digno e honesto e o anseio em novamente sonhar com um caminho distinto do universo do crime se tornam metas quase inalcançáveis. E é neste sentido que é louvável, e surge como alento, a iniciativa dos defensores públicos em tematizar sua campanha nacional acerca da necessidade e importância de oferecer aos presos e egressos dispositivos que privilegiem sua recolocação. E a preocupação em fugir do lugar-comum, promovendo o diálogo e a sensibilização da sociedade, desviando-se das verdades absolutas.
Na condição de egresso, vislumbrar ação séria como essa só reforça a crença de que é possível ao menos idealizar uma sociedade mais igualitária e humana, com um estado de direito atuante e, consequentemente, menos violência, e mais paz! E que seja integral e inquestionavelmente respeitado o DIREITO DE RECOMEÇAR!
* Ativista, vendedor da revista Ocas e egresso do sistema penitenciário em São Paulo.