A conquista dos direitos da criança e do adolescente tem avançado bastante no decorrer da história. A primeira legislação referente à criança e ao adolescente no Brasil foi o Código de Mello Matos, de 1927. Tratava da chamada doutrina da situação irregular, com a instituição da figura do juiz de menores, cuja função era tomar as decisões quanto ao destino do adolescente autor de atos infracionais. O pensamento dominante não era de proteção deste adolescente, mas sim de recolhimento com a finalidade de proteger a sociedade.
Depois da segunda guerra e com as discussões internacionais sobre os direitos humanos, foi publicada pela Organização das Nações Unidas a Declaração dos Direitos da Criança e, com ela, muitos direitos foram garantidos. Foi um grande avanço focar na doutrina da proteção integral e reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos estabelecendo a necessidade de proteção e cuidados especiais, substituindo a doutrina da situação irregular anterior.
A Doutrina da Proteção Integral da Organização das Nações Unidas foi inserida na legislação brasileira pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, trazendo para a nossa sociedade os avanços obtidos na ordem internacional em favor da infância e da juventude. Por ser muito relevante para o que estamos tratando, reproduzo abaixo esse dispositivo constitucional:
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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (…)
A riqueza deste artigo traz muitas possibilidades de reflexão. Ele sinaliza claramente, nessa expressão, que os direitos da criança e do adolescente são de responsabilidade das gerações adultas. A família, a sociedade e o Estado são explicitamente reconhecidos como as três instâncias reais e formais de garantia dos direitos elencados na Constituição e nas leis. A referência inicial à família explicita sua condição de esfera primeira, natural e básica de atenção.
Por outro lado, cabe ao Estado garantir condições mínimas para que a família exerça sua função, para que não recaia sobre ela toda a responsabilidade e ônus. A palavra assegurar significa garantir, e garantir alguma coisa é reconhecê-la como direito. Reconhecer algo como direito, por sua vez, é admitir que o titular desse direito pode recorrer à Justiça para fazer valer o que a lei lhe assegura.
PublicidadeA expressão “absoluta prioridade” corresponde ao artigo 3º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que trata do interesse superior da criança, que, em qualquer circunstância, deverá prevalecer. O emprego da palavra “direito”, e não “necessidades”, significa que a criança e o adolescente deixam de ser vistos como portadores de necessidades, de carências, de vulnerabilidades.
Dois anos depois da Constituição Federal é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que, mais do que regulamentar as conquistas em favor das crianças e adolescentes expressos na Constituição, veio promover um importante conjunto de revoluções que extrapola o campo jurídico e desdobra-se em outras áreas da realidade política e social no Brasil e é reconhecido internacionalmente como modelo de legislação para a infância.
Nele, a criança e o adolescente se constituem sujeitos de direitos e não mais meros objetos de intervenção social e jurídica por parte da família, da sociedade e do Estado. A criança e o adolescente são reconhecidos como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, detentoras de todos os direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade, além dos seus direitos especiais, decorrentes do próprio processo de desenvolvimento em que se encontram. Eles não estão em condições de exigi-los do mundo adulto e não são capazes, ainda, de prover suas necessidades básicas sem prejuízo do seu desenvolvimento pessoal e social.
Ao reconhecer a criança e o adolescente como prioridade absoluta, estamos assumindo o valor intrínseco e o valor projetivo das novas gerações. O valor intrínseco é o reconhecimento de que, em qualquer etapa do seu desenvolvimento, a criança e o adolescente são seres humanos na mais plena acepção do termo. O valor projetivo, por sua vez, considera que cada criança e cada adolescente é um portador do futuro de sua família, do seu povo e da humanidade.
Mas não basta que os direitos estejam no papel. É preciso um sistema que garanta esses direitos, que se estabelece em três campos, o da promoção dos direitos, a defesa desses direitos e o controle social.
A promoção dos direitos se faz com a efetiva implementação das políticas de atendimento que deve ocorrer de forma articulada por ações governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e por ações não governamentais, que devem garantir todos os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.
A defesa dos direitos consiste na garantia do acesso à justiça. O controle social das ações de promoção e defesa dos direitos é atribuição soberana da sociedade, por meio de suas organizações e representações, em especial, conselhos de direitos e conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas. É aqui que se situa a importância do esforço de criação e consolidação dos Conselhos de Direitos e Tutelares em todos os municípios brasileiros, instância federativa de execução da maioria das políticas de atendimento.
A sociedade precisa compreender e questionar se o que está previsto nas nossas leis está sendo garantido para todas as crianças e adolescentes de todas as regiões e classes sociais em nosso país. Eu diria que, para ter um futuro melhor para nossas crianças e jovens, não faltam leis e sim políticas consistentes. Por isso, é importante saber o que cobrar e de quem.