Dia desses, relendo um livro de história, fiquei a pensar no “coltan”. Trata-se de uma palavra cunhada lá na África, fruto da combinação dos nomes de dois minerais, columbita e tantalita.
Desta mistura rara são extraídos metais mais cobiçados que o ouro, e de altíssimo valor estratégico. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita o tântalo. Este último é um metal de alta resistência térmica, eletromagnética e corrosiva, razão pela qual é muito difundido na composição de componentes utilizados na maioria das engenhocas eletrônicas portáteis, tais como telefones celulares e computadores. Por suas características, é utilizado até nas pás das turbinas dos modernos aviões a jato.
Leia também
Esse mineral, de cor azulada, levemente cinza, é realmente raríssimo. Suas maiores jazidas conhecidas estão na República Democrática do Congo, Brasil e Austrália. Mas fiquemos, hoje, com o primeiro desses países, detentor de nada menos que 64% das reservas já mapeadas.
Esse país, a República Democrática do Congo, não foi abençoado apenas com o coltan – também é rico em ouro, cassiterita, cobalto, cobre, diamantes e madeiras nobres. Surpreendentemente, no entanto, ei-lo ocupando o último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano do ano de 2011.
Essa aparente contradição tem uma explicação: a extração do coltan está na origem de um dos mais sangrentos conflitos do planeta, que já deixou cinco milhões de mortos e contribuiu para o estupro de mais de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos – e eis aí dados já validados pelo Conselho de Segurança da ONU.
No não tão distante ano de 2003 uma investigação identificou 157 empresas de diversos países envolvidas de alguma forma com a extração ilegal de minerais na República Democrática do Congo. E, pouco tempo depois, calculou-se o custo de um telefone celular produzido com coltan extraído naquele país: a vida de duas crianças. Fico a pensar no custo de um computador, de uma turbina de avião ou da maioria das engenhocas eletrônicas que nos cercam. Quantas crianças elas custam?
PublicidadeO mais grave é que esse quadro reflete a realidade de larga parcela do riquíssimo continente africano – estima-se que nos últimos 15 anos 23 conflitos foram suficientes para retirar da África nada menos que US$ 18 bilhões, reduzindo o PIB em 15%.
Dizem alguns que vivemos em plena era da globalização e da transparência. Trombeteiam-se aos quatro ventos as virtudes do denominado “mundo livre”, repositório da esperança de toda a humanidade. Seria oportuno, assim, que sob os ventos de toda essa liberdade fossem divulgados os nomes das empresas e países responsáveis pela morte de cinco milhões de semelhantes nossos.
Existem, no mundo, milhares de outros exemplos de ganância sobrepondo-se à decência, ao custo da vida e do sofrimento de milhões de seres humanos. Quão bom seria que cada um deles fosse levado ao tribunal da opinião pública! Quão bom seria que as pessoas soubessem quem, ao fim do cabo, fiel à terrível acusação de Samuel Butler, conseguiu até mesmo estabelecer uma relação de amizade e simpatia com as vítimas que pretende devorar – todos nós, cada um de nós.
Isso, no entanto, dificilmente acontece – a verdade quase sempre acaba silenciada, ora pura e simplesmente abafada, ora na esteira de processos científicos de convencimento, engendrados a bordo de mentes as mais brilhantes. É assim, suspeito eu, que vivemos o surpreendente contraste da alienação em plena era da informação!
Mais textos de Pedro Valls Feu Rosa
Dia desses, relendo um livro de história, fiquei a pensar no “coltan”. Trata-se de uma palavra cunhada lá na África, fruto da combinação dos nomes de dois minerais, columbita e tantalita.
Desta mistura rara são extraídos metais mais cobiçados que o ouro, e de altíssimo valor estratégico. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita o tântalo. Este último é um metal de alta resistência térmica, eletromagnética e corrosiva, razão pela qual é muito difundido na composição de componentes utilizados na maioria das engenhocas eletrônicas portáteis, tais como telefones celulares e computadores. Por suas características, é utilizado até nas pás das turbinas dos modernos aviões a jato.
Este mineral, de cor azulada, levemente cinza, é realmente raríssimo. Suas maiores jazidas conhecidas estão na República Democrática do Congo, Brasil e Austrália. Mas fiquemos, hoje, com o primeiro destes países, detentor de nada menos que 64% das reservas já mapeadas.
Este país, a República Democrática do Congo, não foi abençoado apenas com o coltan – também é rico em ouro, cassiterita, cobalto, cobre, diamantes e madeiras nobres. Surpreendentemente, no entanto, ei-lo ocupando o último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano do ano de 2011.
Esta aparente contradição tem uma explicação: a extração do coltan está na origem de um dos mais sangrentos conflitos do planeta, que já deixou cinco milhões de mortos e contribuiu para o estupro de mais de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos – e eis aí dados já validados pelo Conselho de Segurança da ONU.
No não tão distante ano de 2003 uma investigação identificou 157 empresas de diversos países envolvidas de alguma forma com a extração ilegal de minerais na República Democrática do Congo. E, pouco tempo depois, calculou-se o custo de um telefone celular produzido com coltan extraído naquele país: a vida de duas crianças. Fico a pensar no custo de um computador, de uma turbina de avião ou da maioria das engenhocas eletrônicas que nos cercam. Quantas crianças elas custam?
O mais grave é que este quadro reflete a realidade de larga parcela do riquíssimo continente africano – estima-se que nos últimos 15 anos 23 conflitos foram suficientes para retirar da África nada menos que US$ 18 bilhões, reduzindo o PIB em 15%.
Dizem alguns que vivemos em plena era da globalização e da transparência. Trombeteiam-se aos quatro ventos as virtudes do denominado “mundo livre”, repositório da esperança de toda a humanidade. Seria oportuno, assim, que sob os ventos de toda esta liberdade, fossem divulgados os nomes das empresas e países responsáveis pela morte de cinco milhões de semelhantes nossos.
Existem, no mundo, milhares de outros exemplos de ganância sobrepondo-se à decência, ao custo da vida e do sofrimento de milhões de seres humanos. Quão bom seria que cada um deles fosse levado ao tribunal da opinião pública! Quão bom seria que as pessoas soubessem quem, ao fim do cabo, fiel à terrível acusação de Samuel Butler, conseguiu até mesmo estabelecer uma relação de amizade e simpatia com as vítimas que pretende devorar – todos nós, cada um de nós.
Isto, no entanto, dificilmente acontece – a verdade quase sempre acaba silenciada, ora pura e simplesmente abafada, ora na esteira de processos científicos de convencimento, engendrados a bordo de mentes as mais brilhantes. É assim, suspeito eu, que vivemos o surpreendente contraste da alienação em plena era da informação!