“Já me tiraram a comida e o sol,
já levei chute e bofetada.
Abriram as pernas da minha mulher,
arrancaram a roupa de minha mãe.
Não tem mais o que tirar de mim,
só ódio”.
J. M. E.
31 anos, preso no Rio de Janeiro. II Caravana da Cidadania.
Em nossas vidas há inúmeros fatos inesquecíveis e eu carrego vários deles. Muitos são de alegria e outros, infelizmente, de profunda indignação, tristeza, dor. Os de indignação, tristeza e dor geralmente ajudam a enxergar a vida por outro ângulo, diferente daquele que vivemos no cotidiano. Dos fatos de indignação e tristeza da minha pública, reporto-me aqui a dois, mas me deterei sobre um deles: as visitas aos presídios.
Marcos Rolim, quando deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, organizou várias “Caravanas da Cidadania” e me convidou a participar delas. Por não ser membro da comissão, só pude participar de duas: uma que visitou vários manicômios e a outra, uma série de prisões brasileiras, que foi a II Caravana Nacional de Direitos Humanos. Ambas me marcaram pelo sofrimento que vi e pela tristeza que os olhares e vozes me transmitiam.
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Entre os presídios visitados estava o Ari Franco, no estado do Rio de Janeiro, que no relatório Rolim chamou de “A porta do inferno”. A visita ocorreu em 2000 e Marcos Rolim anotou no relatório: “O presídio encontrava-se superlotado, com uma média de 16 presos por cela. Não se sabe, exatamente, qual a capacidade do estabelecimento que abrigava no dia de nossa visita 1.030 internos”.
Ao sair da visita deste presídio, uma jornalista, que não lembro o nome e tampouco o órgão em que trabalhava, me perguntou: “o que o senhor viu?” Achei a pergunta muito ampla e, para ser sincero, uma pergunta feita por obrigação. Ela não sabia absolutamente nada da pauta, portanto, não tinha como fazer uma pergunta específica. Fez então uma genérica.
Sem levar em consideração se a pergunta era genérica ou não, respondi de maneira sucinta e objetiva: “vi uma grande quantidade de negros e glabros”. Ao que ela retrucou: “Como assim?”
A partir daí, fui obrigado a ser explícito: “Vi uma população carcerária majoritariamente jovem e negra. A maioria sequer tem barba”.
Este fato nunca me saiu da memória e, periodicamente, quando se revelam o índice de violência e o número e a origem étnico-racial das pessoas encarceradas ou assassinadas, ele se faz mais presente. Dias atrás, a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou o “Índice de vulnerabilidade juvenil à violência e desigualdade racial 2014”.
O relatório tem por objetivo dar subsídios para a elaboração de políticas públicas para enfrentar a questão da violência entre os jovens de 12 a 29 anos de idade, em especial os jovens negros, que em 2013, foram 18,4% mais encarcerados e 30,5% mais vítimas de homicídios do que os jovens brancos.
“A prevalência de jovens negros serem mais vítimas de assassinatos do que jovens brancos é uma tendência nacional: em média, jovens negros têm 2,5 mais chances de morrer que jovens brancos no país”, diz o estudo. A taxa de homicídio entre jovens negros é 155% maior do que a de jovens brancos, o que evidencia que a violência é seletiva no país.
Os números demonstram que a juventude negra está à porta do inferno. É vítima da desigualdade socioeconômica, do preconceito e do racismo. Não bastasse isso, há ainda aqueles que querem piorar a situação ao desejar uma redução da maioridade penal.
A redução da maioridade penal significaria penalizar os que já são penalizados, aumentando a população de negros e glabros nas prisões brasileiras. E não faltam os mais maldosos, são os que querem a pena de morte instalada no Brasil.
J. M. E. quer que lhe tirem o ódio. Mas há os que querem a construção do ódio, são aqueles que querem a redução da maioridade penal e os que pregam a pena de morte.
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