Ana Rita Souza Prata*
No Brasil, a cada uma hora e meia, uma mulher é morta simplesmente por ser mulher. Das mulheres que sofrem qualquer tipo de violência, 48% informam que o fato ocorreu em sua própria residência, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de ter assinado diversos tratados internacionais que garantem direitos às mulheres, o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana por não assegurar proteção à mulher no caso Maria da Penha Fernandes, gerando a famosa Lei nº 11.340/2006, à qual ela emprestou seu nome.
A Lei Maria da Penha trata a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma violação de direitos humanos, e considera que sua prevenção, combate e erradicação é dever de todos.
Trazendo diversas formas de proteção para a mulher que sofre violência, a lei propôs uma nova perspectiva na forma de enxergar esses fatos, deixando de lado aquela antiga e conhecida expressão “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
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Ao conceituar violência doméstica e familiar contra a mulher, a lei fala de condutas baseadas em gênero, e não no sexo da pessoa. Isso tem um motivo. Gênero, diferentemente de sexo, é uma construção social, que varia de acordo com o momento histórico, região, entre outros fatores sociais. Já sexo é um atributo biológico.
Há mais de cinquenta anos, Simone de Beauvoir escrevia seu livro mais famoso, “O Segundo Sexo”, em que buscou desconstruir a ideia de que a natureza biológica da pessoa definiria seu comportamento. Essa forma de pensar resume o ideal do consórcio de ONGs responsável pelo texto da Lei Maria da Penha na época de sua edição.
Por entender que esse tema é de extrema relevância e que, apesar da protetiva lei, os dados são assustadores, foi criada no Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher. O colegiado apresentou no início de 2014 seu relatório final, com inúmeras recomendações necessárias para garantir efetividade ao compromisso de erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. Atualmente existe uma comissão permanente visando garantir que as recomendações sejam acatadas.
De forma impressionante e até irônica, no Dia do Homem (15 de julho), publicou-se a notícia de que a vice-presidente daquela CPMI, deputada Keiko Ota, sugeriu que as mulheres deveriam se calar para que não fossem agredidas no lar.
O pensamento de que homens e mulheres possuem papéis pré-determinados a partir de suas características biológicas nas suas relações sociais é contrária a toda a luta pela busca da igualdade de direitos.
A ideia de que o comportamento das pessoas decorre de uma construção cultural permite crer que ele pode ser redefinido, reconstruído, não sendo o nosso corpo uma sentença perversa e imutável de como deveremos ser, pensar e agir.
E essa nova construção deve se basear em pilares como igualdade e respeito, afastando a culpa dos milhares de mulheres brasileiras que não aceitam se calar e que, como Maria da Penha Fernandes, foram vítimas de violência de homens – que, aliás, também não são fadados a praticar violência e machismo.
*Ana Rita Souza Prata é defensora pública em São Paulo.
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