A morte de um cacique durante a invasão de uma aldeia localizada na cidade de Pedra Branca do Amapari, no Amapá, reacende a discussão sobre a demarcação de terras indígenas, especialmente na região Norte do Brasil – onde a memória desse estrato da população resiste à colonização portuguesa. Na segunda-feira (22), um grupo de garimpeiros invadiu a comunidade Wajãpi e matou o líder Emyra Wajãpi, o que comoveu militantes e apoiadores das lutas indígenas e lançou dúvida sobre a delimitação de áreas povoadas pelos índios.
Na opinião do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a defesa da exploração de minério em áreas indígenas e de proteção ambiental incentiva as invasões, causando morte e crimes violentos. “Em 24 anos de demarcação daquelas terras, nunca vi um crime dessa natureza”, disse ao Congresso em Foco.
A etnia wajãpi teve seu território demarcado em 1996, segundo Randolfe. Ele afirma que um incidente assim indica “claramente que há um incentivo à atividade garimpeira em terras indígenas pelo próprio governo”. Ele responsabiliza o presidente Jair Bolsonaro pela escalada do ódio e do conflito na região.
Leia também
Atendendo à pressão da bancada ruralista no Congresso, Bolsonaro vem defendendo a exploração de minério em território indígena. Nesta segunda-feira (29), o presidente chegou a dizer que, até o momento, não teve “nenhum indício forte” de assassinato do cacique Emyra, embora o crime esteja em investigação pela Polícia Federal e pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Eleito pelo Amapá, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), pede o cumprimento ao direito à terra do povo indígena, devidamente previsto na Constituição Federal. “Os esforços devem ser concentrados em garantir a segurança e o direito dos povos indígenas, que sempre viveram nessa região, direito garantido constitucionalmente”, disse em uma rede social.
Nesse domingo (28), a Polícia Federal (PF) abriu inquérito para apurar a causa da morte do cacique Emyra, criando um gabinete de crise em conjunto com outros órgãos, como o Ministério Público, a Secretaria de Justiça e da Segurança Pública do Amapá, o Exército e a Funai.
Publicidade
Reações à invasão da área indígena
A reação de associações e entidades à morte do cacique Emyra foi imediata. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) mostrou preocupação com a investida. “Solicitamos a devida diligência do Estado brasileiro para proteger e prevenir possíveis violações de seus direitos humanos”, disse em uma rede social.
O Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina) informou que os ataques começaram na segunda-feira (22), com a morte “de forma violenta” do cacique em aldeia próxima à comunidade Mariry. “A morte não foi testemunhada por nenhum Wajãpi e só foi percebida e divulgada para todas as aldeias na manhã do dia seguinte”, relatou.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) cobrou respeito a Bolsonaro. “O Cimi exige que o presidente Bolsonaro respeite a Constituição Brasileira e pare imediatamente de fazer discursos preconceituosos, racistas e atentatórios contra os povos originários e seus direitos em nosso país”, disse. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu ao governo que adote as medidas administrativas e judiciais necessárias para “assegurar a integridade física dos integrantes do Povo Indígena Waiãpi”.
Invasão à área Yanomami
Além dessa investida, outras etnias sofrem com as invasões. Por exemplo, a incursão de garimpeiros à terra Yanomami, em Roraima, já envolve cerca de 20 mil pessoas. Os garimpeiros se espalham por quatro rios da região e até construíram uma vila com casas de madeiras, balsas e pistas de pouso na região de Auaris. Em março de 2018, uma denúncia protocolada pelas associações indígenas no Ministério Público Federal estimou que estão presentes na região 5 mil garimpeiros atrás de ouro e diamante.
No Brasil, a Terra Indígena (TI) Yanomami foi homologada em 1992 e compreende 96 mil km² espalhados por Roraima e Amazonas. O território do povo, porém, se estende até a Venezuela. Dados mais recentes, de 2011, indicam uma população de 19 mil indígenas Yanomami no território brasileiro e 16 mil do lado venezuelano.
Demarcação de terra, um direito previsto em Constituição
Garantia aos direitos do índio, a demarcação estabelece limites territoriais que visam garantir a identidade da população. De competência da Fundação Nacional do Índio (Funai), a divisão está prevista na Constituição Federal de 1998. A delimitação tem como finalidade proteger as áreas de invasões e ocupações irregulares, além de preservar o modo de vida, as tradições e a cultura desses povos. A Funai acredita que a demarcação contribui para diminuir os conflitos pela posse de terras.
No Brasil, existem 462 terras indígenas regularizadas. Essas áreas correspondem a 12,2% do território brasileiro. O Norte é a região com maior concentração de terras indígenas, 54%. Em segundo lugar, aparece o Centro-Oeste, com 19%. O Sudeste tem a menor parcela, com apenas 6% das terras.
A Funai é responsável pela demarcação de terras no Brasil, processo regulamentado pelo decreto nº 1.775/96. Confira as etapas de demarcação:
– Estudos de identificação e delimitação, por um antropólogo juntamente a um grupo técnico que elabora um estudo de identificação das terras indígenas;
– Declaração dos limites;
– Demarcação física;
– Levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não-índios;
– Homologação da demarcação;
– Retirada de ocupantes não-índio (Funai) e reassentamento dos ocupantes não-índio (Incra);
– Registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União;
– Interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados.
>> Alcolumbre impõe derrota a Bolsonaro e devolve demarcação de terras indígenas à Funai
>> Governo planeja liberar mineração em terras indígenas, diz ministro