Em 3 de julho de 1968, o ditador Costa e Silva publicou a lei de número 5465/68, apelidada de “Lei do Boi”. Hoje, há muitos agrônomos e veterinários, com mais de 65 anos e que foram formados em universidade pública e gratuita, em que entraram usando a cota estabelecida nessa lei.
Foi a primeira lei no Brasil a garantir cotas nas universidades públicas. E tenham a certeza de que, pelo período (ditadura) e pelo ocupante do posto de presidente, essa lei de cotas não foi para os pobres.
A Lei do Boi, como o próprio apelido diz, foi criada para atender os filhos de fazendeiros.
Ela “dispõe sobre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola”. E estabelece, no seu artigo 1º, o seguinte (texto conforme a ortografia vigente à época):
“Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.
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§ 1º A preferência de que trata êste artigo se estenderá os portadores de certificado de conclusão do 2º ciclo dos estabelecimentos de ensino agrícola, candidatos à matrícula nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidas pela União.”
Hoje, os reacionários “bem informados” se revoltam com as cotas para negros nas universidades, mas se esquecem de que a Lei do Boi, que criou cotas para ricos fazendeiros, vigorou até 1985.
Embora a lei estabeleça que “50% (cinqüenta por cento) das vagas estavam reservadas para candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio”, não significa que os pobres ou os pequenos agricultores tivessem acesso à universidade.
Eu era filho de um deles e, pela própria condição da vida no campo e pela falta de informação, essa lei era pouco conhecida. Ou seja, foi criada para a elite rural, até porque só ela tinha condições de manter financeiramente um filho estudando na cidade. Os demais precisavam do filho na roça, trabalhando para a própria sobrevivência e da família.
A Lei do Boi, revogada em 1985, não atendia os princípios da justiça de reparação da história. Pelo contrário, criava privilégios e mantinha as distorções históricas, pois o (fazendeiro) dono da Casa Grande podia estudar graças aos da Senzala, que trabalhavam para manter o patrão na cidade e na universidade.
Até hoje não me lembro de ter visto ou ouvido jornalistas e comentaristas, em rádio e televisão, discursando contra a Lei do Boi. Tampouco me lembro de ter ouvido sair da boca de um ruralista qualquer condenação a esse privilégio.
Ouço e vejo, sim, ataques à Lei de Cotas para negros, índios e estudantes oriundos de escolas públicas.
A Lei do Boi só foi revogada após questionamentos e a demonstração de que ela só atendia os filhos dos fazendeiros.
Muitos falam contra a atual Lei de Cotas usando o argumento de que ela não combateria o racismo e que, pelo contrário, contribuiria com a sua ampliação.
Até nisso o sujeito é, no mínimo, um desinformado. Ela não foi instituída com essa finalidade. O objetivo da Lei de Cotas atual é fazer uma reparação histórica. Quando os escravos foram considerados libertos, não tinham direito ao trabalho, à moradia, à educação etc.
Não tinham direito a nada, a não ser vagar à procura de um bom coração que lhes garantisse um trabalho remunerado ou em troca de um prato de comida.
Em alguns momentos, dá até alguma esperança que poderá existir justiça no Brasil.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal validou, por unanimidade a Lei 12.990/2014, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, nos três Poderes.