Nesta semana o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou 23 dos 26 chacinadores dos detentos do segundo andar do presídio de Carandiru em 1992 a penas que, se confirmadas, resultariam em prisão fechada pelo máximo tempo aceito pela Constituição Federal. O julgamento começou e terminou numa data “apenas” 20 anos posterior aos fatos do crime.
As organizações de direitos humanos do planeta, especialmente Anistia Internacional e Human Rights Watch, se pronunciaram criticamente sobre o enorme atraso desse processo em relação à data dos fatos.
Entretanto, a Anistia do Brasil também comentou que a condenação “comprova que a Justiça brasileira não admitirá abusos cometidos pelo Estado contra a população carcerária”.
Inversamente, em 2003, um comunicado dos pesquisadores internacionais de AI lembrava que o Tribunal de Justiça de São Paulo era famoso pelo acobertamento e estímulo ao terror de Estado. É claro que as coisas poderiam ter mudado em dez anos, mas o fato é que não mudaram, como o prova o crime de Pinheirinho, que apenas fez um ano em janeiro.
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Como é bem sabido, a condenação dada pelo júri ao carniceiro principal (que depois foi misteriosamente assassinado) foi anulada pelo tribunal, em cumplicidade com o advogado defensor, que usou um argumento incrível: a intenção do júri era votar pela absolvição, mas ele se confundiu.
Justiça tarde pode ser justiça, mas esta é Justiça tardíssima. Após 20 anos de liberdade, os PM de Carandiru tiveram tempo suficiente para repetir seus feitos, se bem que não saibamos exatamente o que aconteceu (só sabemos que, em média, as mortes cometidas pela PM paulista passam de 1400 por ano, contra, por exemplo 25 de Nova Iorque.)
Essa condenação talvez salve a vida de algumas outras pessoas, que podiam ser alvos destes algozes, e isso obviamente é bem vindo. Ora, que isto serva de “lição” para as dúzias de milhares de matadores ao serviço do estado parece pouco provável. O Estado de SP tem o maior esquadrão da morte oficial de Ocidente e, se for contado per capita, também do planeta.
A avaliação mais exata do caso foi feita pelo médico e escritor Drauzio Varella.
Ele não manifesta qualquer otimismo. Dignamente, apresenta duras críticas contra o tortuoso encobrimento da chacina durante décadas, acusa de “insultar a inteligência” os que pretendem sustentar que a polícia atuou por conta própria, e diz que os principais culpáveis nunca serão punidos. Ele disse que “nunca haverá justiça” para o caso de Carandiru.
O massacre, segundo era vox populi na época, era para satisfazer a sede de sangue de uma sociedade racista, neonazista e maniqueísta que deveria votar poucos dias depois nas eleições estaduais. Duas das principais cabeças do democídio morreram, mas os que ficam podem vangloriar-se da carniçaria mesmo neste suposto estado de direito.
Um fato importante é o clima de provocação criada pela defesa dos carniceiros. Um defensor está aí para evitar que o réu seja acusado do que não fez, ou para que não receba uma pena maior que a legal. Mas, a defesa dos algozes fez a apologia do crime, e até estimulou o júri a aplaudir os criminosos. Por uma décima parte dessa provocação, qualquer advogado de um réu desconhecido teria sido expulso da corte. Então também os ativistas e as ONGs de direitos humanos talvez devam ser mais cautelosos ao chamar “justiça” a algo que foi apenas uma decisão forçada, porque os poderes públicos de SP precisavam lançar uma tardia cortina de fumaça. Ainda devemos ver se as condenações são confirmadas. A maioria dos países da América Latina só atua com justiça quando é pressionado pelos tribunais internacionais, e isso acontece de maneira esporádica e fraca.