Não vivo no Rio de Janeiro, mas em questão de violência, não há muita diferença da violência do Rio, com a de São Paulo, Recife, Porto Alegre, Curitiba, etc. A violência, infelizmente, tornou-se coisa natural em nosso país. Tão natural que é quase sempre invisível. Invisível porque as vítimas, na sua grande maioria, são mulheres e negros, principalmente adolescentes e crianças.
No último final de semana, circulou nas redes sociais uma mensagem de um estudante de nome Leonardo. Diz a mensagem: “Na favela em que moro, ao voltar da faculdade, um policial me abordou, abriu minha mochila, pegou meu caderno, passou o olho e me fez a seguinte pergunta: ‘Tá fazendo faculdade pra ter direito à cela especial?’”.
Continua Leonardo: “Há algumas semanas fui abordado três vezes em menos de meia hora. Na terceira abordagem, questionei dizendo que havia sido abordado duas vezes nos últimos 20 minutos e que aquela abordagem era a terceira… A resposta do policial foi: ‘Eu não tenho culpa se você é um cidadão padrão para revista’”.
Leonardo é um estudante negro de 30 anos de idade. Se ele se encaixa, de acordo com o policial, como “um cidadão padrão para revista”. Significa que todos os negros, no caso, do Rio de Janeiro, estão colocados como suspeitos. Negros em geral e moradores das favelas em particular.
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Nas favelas do Rio de Janeiro, assim como nas favelas de outras cidades, a grande maioria do povo que ali vive é trabalhadora. Não há pesquisas, mas posso imaginar que se chegar a 0,03% de bandidos é muito. Dentro do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, o percentual é bem maior
Todos e todas sabem que a grande maioria dos moradores e moradores das favelas e bairros pobres do Brasil são pessoas trabalhadoras, que batalham o dia inteiro, inclusive nos finais de semana, para conseguir sobreviver. Se é assim, por que submeter a humilhação a todas as pessoas que vivem em favelas ou em bairros pobres?
PublicidadeA resposta pode ser buscada numa simples definição: é questão de classe social. Esses pobres e miseráveis estavam começando a ser alguém. Mas, para a burguesia brasileira, eles devem continuar escravos. E, para continuar escravos, é preciso humilhar, por isso a revista das mochilas de crianças, adolescentes e jovens estudantes universitários.
A revista humilhante pode ter várias explicações, mas prefiro ficar com duas: a primeira é que humilhando uma criança e um jovem podem torná-lo um medroso para sempre. Inibi-lo de qualquer iniciativa ideológica e política. Mantê-lo sempre um cordeiro às vontades dos poderosos. Certo que alguns podem não aceitar e passar a olhar a polícia e o exército como inimigos de sua liberdade. Digo a liberdade de ir e vir e de se manifestar politicamente.
A segunda razão para revistar todos e todas é a própria confissão da polícia e dos militares interventores que são incapazes, que não estão preparados para fazer investigações sérias e que levem aos verdadeiros bandidos.
A violência se combate com inteligência, com investigação, e não colocando sob suspeita toda uma massa de pessoas sérias, honestas e trabalhadoras.
Pode ocorrer que esteja errado nesta minha segunda premissa. Pode ocorrer que eles sabem que os maiores bandidos estão fora da favela e estas ações são justamente para desviar a atenção do povo, atacando os pobres e miseráveis, e não os incrustados nos palácios.
Eles sabem que nos bairros de classe média e mesmo nos condomínios da burguesia há bandidos. Vou ficar só com um exemplo: onde vive o senador Zezé Perrella, dono do helicóptero que foi apreendido com quase 500 quilos de pasta de cocaína? Não é na favela.
O que aconteceu com o dono do helicóptero?
Continua senador e sequer é investigado.
A intervenção do Exército no Rio de Janeiro é política e é a explicitação de que não vivemos sob a égide de uma democracia. Escancara o golpe e mostra que podemos caminhar para mais uma ditadura militar.
A intervenção tira o foco dos graves problemas sociais que os golpistas construíram em apenas dois anos, bem como da incompetência dos governantes, no caso, Temer e Pezão, governador do Rio de Janeiro.
A intervenção também inibe e persegue os líderes sociais que lutam pela democracia e pelo restabelecimento do Estado de Direito.
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