A votação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quarta-feira (25/10) sobre a restrição da doação de sangue por homossexuais poderá entrar para a história como uma página virada do estigma e da discriminação contra a comunidade gay no Brasil.
A votação, que começou na quinta-feira passada (19/10) com a manifestação do ministro relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 554, Edson Fachin, apontou para uma possível vitória, resumida na sua frase “orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim”.
A ADI foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2016 e afirma que a portaria 158/2016, do Ministério da Saúde, e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 34/2014, da Anvisa, ofendem a dignidade dos envolvidos e retiram-lhes a possibilidade de exercer a solidariedade humana, porque consideram inapto temporário por 12 meses o candidato à doação de sangue que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: […] IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes. A ADI também afirma que as normas questionadas violam os seguintes preceitos constitucionais: dignidade da pessoa humana, direito fundamental à igualdade, objetivo fundamental de promover o bem de todos sem discriminações e princípio da proporcionalidade. A Procuradoria-Geral da República, a Defensoria Pública da União, a Ordem dos Advogados do Brasil e vários grupos de defesa de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI) também questionam a constitucionalidade da medida.
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No que diz respeito à doação de sangue, uma pessoa não deve ser julgada pelo que é, e sim pelo que faz. É a prática sexual que pode ser de risco, e não o grupo populacional. O sexo desprotegido é uma porta de entrada para o HIV, independente da relação sexual ocorrer entre homem e homem, ou entre homem e mulher. Nas palavras da Organização Pan Americana da Saúde “a orientação sexual não deve ser usada como critério para seleção de doadores, por não constituir risco em si mesma”. Melhor seria a portaria e a resolução considerarem inaptas as pessoas que tiveram comportamento de risco, dentro de determinado período antes da doação de sangue, que as expusessem a possíveis infecções que trariam prejuízo para a segurança do receptor.
No Brasil a proibição da doação de sangue por homossexuais começou em 1993, como uma das respostas às tentativas de conter a disseminação do HIV, seguindo medidas parecidas adotadas em outros países, remetendo porém à noção equivocada do HIV como uma doença de gay. A restrição continua até hoje no país, mas já foi muito pior e vem diminuindo com o avanço da tecnologia de detecção do HIV e a pressão do Movimento LGBTI. Outros países já avançaram mais ainda e indicam um caminho que poderia ser seguido pelo Brasil: em países como Itália, México, Espanha, Chile e Argentina, a orientação sexual do candidato não é levada em conta na triagem do sangue, apenas as práticas sexuais dos/das doadores/as.
O Grupo Dignidade e outras organizações LGBTI vêm lutando por isso desde meados dos anos 1990. Esta poderá ser uma vitória da persistência do Movimento LGBTI, que trabalhou para que conferências e eventos deliberassem pela derrogação das restrições à doação de sangue por gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), inclusive através da campanha Igualdade na Veia.
Mais uma vez o STF vai ajudar a mediar algo que, neste caso, já foi objeto de várias reuniões e audiências com o Ministério da Saúde e com a Anvisa, na procura por uma solução que não discriminasse os gays e outros HSH. Com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, o Grupo Dignidade está atuando firmemente no STF para efetivar não só este mas sim todos os direitos estabelecidos nos artigos 3º e 5º da Constituição Federal. Cidadania não é privilégio. Todos/as temos direitos e deveres. Concordo com o ministro Edson Fachin: “Orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim”.