Uma semana antes de ser comemorado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo – 28 de janeiro -, uma ação da Polícia Rodoviária Federal, do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho flagrou mais de 30 pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão em cidades do interior de São Paulo, o estado mais rico da federação. A chamada Operação Gato Preto interditou 12 carvoarias nas cidades de Joanópolis, Piracaia e Pedra Bela, na região de Bragança Paulista. Nesses locais, os trabalhadores, muitos adolescentes, viviam em condições degradantes, sem banheiros e água potável, com alimentação precária, trabalhando horas a fio em situações de risco à saúde e segurança, com remuneração paga de três em três meses com cheque e sem registro em carteira.
Em outubro do ano passado, a ONG Walk Free Foundation divulgou o Índice de Escravidão Global, o qual revela que o Brasil tem cerca entre 170 mil e 217 mil pessoas em situação de trabalho análogas à escravidão, o que nos coloca no 94º lugar no ranking dos 162 países com registro de trabalho escravo no mundo. Aqui, esse tipo de trabalho se concentra nas indústrias carvoeira, madeireira, de mineração, construção civil, e nas lavouras de cana, algodão e soja. O relatório também revela que, entre 2003 e 2011, foram libertados 2,7 mil trabalhadores em condições degradantes. De acordo com a Walk Free, o grupo de pessoas mais vulneráveis hoje ao trabalho escravo no Brasil é o de estrangeiros em busca de empregos – especialmente haitianos e bolivianos. Esses estrangeiros são explorados principalmente por meio da servidão por dívida, como pudemos constatar nas ações que desenvolvemos em São Paulo junto ao Ministério do Trabalho e Ministério Público.
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O estudo elogia iniciativas do governo brasileiro contra o trabalho degradante e recomenda a aprovação da PEC do trabalho escravo (PEC 57-A/1999), que tramita há quase 15 anos no Congresso Nacional e cujo eixo central é a expropriação de propriedades que exploram trabalho forçado, sem qualquer indenização aos proprietários. A principal mudança trazida por esta PEC é justamente a possibilidade de uma punição econômica aos que praticam o trabalho escravo, que passa a ser equiparado a outros crimes considerados de alta gravidade, como a produção de drogas para o narcotráfico. As terras expropriadas seriam destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular.
Aprovada em segundo turno pela Câmara, a PEC voltou para o Senado para ser votada. Foi aqui que começou o bote dos ruralistas, que se articularam na Comissão Mista de Consolidação de Leis do Congresso para desfigurar a proposta. A alegação deles é que o conceito de trabalho escravo fixado pelo Código Penal é ‘muito vago’. Ora, o artigo 149 define claramente o que determina a condição de trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (situações que colocam em risco a saúde e a vida do trabalhador); jornada exaustiva; trabalho forçado e servidão por dívida. Os ruralistas também reclamaram que a atual legislação ‘dá muito poder’ aos fiscais do Ministério do Trabalho.
A comissão apresentou então uma proposta que determina que o Congresso deve definir o conceito de trabalho escravo antes de se aprovar a PEC. Relator dessa proposta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) definiu que o simples descumprimento da legislação trabalhista não pode ser considerado trabalho escravo. Ele também retirou da definição de trabalho escravo a sujeição do trabalhador a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho, como prevê o Código Penal. Segundo essa ‘novilíngua’, somente será considerado trabalho escravo quando houver coação para trabalhos forçados, restrição da liberdade ou coação por dívida ou apropriação de objetos pessoais.
Será um enorme retrocesso se essa proposta for aprovada. Hoje 90% das ocorrências de trabalho escravo no Brasil são casos de jornada exaustiva e trabalho degradante. Não se trata apenas de imposição de horas extras ou trabalho em local cujas instalações estão em péssimas condições; trata-se de pessoas que comem com os animais, bebem água fétida e trabalham exaustivamente, até ter a saúde deteriorada.
PublicidadeOrganizações internacionais atestam que o Brasil tem uma legislação avançada, políticas integradas e especialistas treinados. Mas ainda não eliminamos a chaga do trabalho escravo. O Congresso Nacional não pode ficar na contramão da História e fazer causa comum com os modernos escravocratas.
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