Em entrevista concedida a Alex Solnik e publicada no Brasil 247 (site e revista), Antônio Roberto Espinosa extrapolou sua tarefa de defender incondicionalmente a presidente Dilma Rousseff e, sem que nada lhe fosse perguntado, fez questão de de encaixar agressões vis e destemperadas contra mim. Dá para perceber claramente que estava babando de ódio. E a forçação de barra salta aos olhos, como todos podem constatar abaixo:
Qual era a imagem dela [Dilma] na VPR? De burra?
Não! Na VAR-Palmares, né, a Dilma não foi da VPR. Não, a Dilma sempre teve a imagem de alguém bem formado. Bem articulado. Lamarca, inclusive, tinha uma certa diferença com ela por achar que ela era teoricista. Ou seja, teoria demais. Mas era uma garota de 22 anos. Mas, a imagem dela, ao contrário… Ela provocava uma certa desconfiança no pessoal mais linha dura do movimento armado exatamente por ser melhor formada. Mais fundamentada. Quem tinha imagem de imbecil era Lungaretti.
Leia também
Celso Lungaretti.
Esse tinha imagem de imbecil! Aliás, o phisique du rol (sic) dele ajudava. Conhece?
Não, pessoalmente, não.
Depois, ele traiu, né? Ele tem um blog hoje. Hoje ele dá uma de esquerda radical. Mas é pra pegar dinheiro da Anistia.
Vamos mostrar o que se esconde por trás deste despautério rancoroso:
1) É curioso que Espinosa só agora tenha chegado à conclusão de que eu tinha “imagem de imbecil”. Pois foi ele quem me recrutou, quando eu tinha apenas 18 anos, para militar numa das duas principais organizações guerrilheiras da época; e ele era integrante do Comando Nacional quando, cerca de uma semana depois do meu ingresso, fui escolhido para integrar o Comando Estadual de São Paulo, incumbido de formar e dirigir um setor de Inteligência, o que provavelmente fez de mim o mais jovem comandante de guerrilha da época;
2) Também soa pitoresco ele, como se fosse um pernóstico crítico de cinema ou teatro, pretender que eu tinha physique du role de “imbecil”, pois naquele tempo eu já havia sido bem sucedido como líder estudantil, fora escolhido pelos meus sete companheiros secundaristas para representar nosso grupo no Congresso de abril/1969 da VPR e, mesmo participando apenas como convidado, acabei apresentando a proposta de posicionamento internacional que prevaleceu nas discussões e sendo incumbido de redigir o respectivo capítulo do programa da Organização.
Seis meses mais tarde, o José Raimundo da Costa e eu fomos os autores da proposta de recriação da VPR, que acabou resultando na sua dramática separação da VAR-Palmares no Congresso de Teresópolis, com a adesão do Lamarca e outros dirigentes. Será que um militante bem mais jovem do que a maioria, e ainda por cima com imagem e physique du role de imbecil, conseguiria ter atuação tão destacada?
E que isenção tem o Espinosa para me julgar, se estávamos em campos opostos naquele congresso e continuamos nos enfrentando na volta, quando fomos designados por nossas respectivas organizações para expor aos companheiros de São Paulo os pontos de vista da VPR e da VAR-Palmares com relação ao desmembramento?
3) Se for para tocar no quesito imbecilidade, vale lembrar que, em tempos bem mais recentes (2009), Espinosa ficou deslumbrado com o interesse nele demonstrado por uma repórter da Folha de S.Paulo e, além de lhe conceder uma entrevista de três horas sobre temas melindrosos, ainda autorizou-a por escrito a escarafunchar, nos arquivos do Superior Tribunal Militar, toda a documentação existente a respeito dele, Espinosa (boa parte da qual citava também a Dilma).
Ou seja, deu ao inimigo toda a munição de que necessitava para, numa edição de domingo, trombetear triunfalmente que a terrorista Dilma pretendera sequestrar o santinho Delfim Netto!
Aí, enquanto Espinosa se lamuriava de haver sido ludibriado pela Folha e Dilma o qualificava de “fantasista”, coube ao imbecil aqui desmontar e desmoralizar a reportagem do jornal da ditabranda, não só com três artigos contundentes (o mais significativo foi este aqui), mas também informando o honesto ombudsman de então que a ficha policial da Dilma que a Folha publicara era uma tosca falsificação que circulava na internet, o que o levou a escrever uma mea culpa.
Aliás, a opinião atual do Espinosa a meu respeito tem tudo a ver com eu não haver deixado de criticar sua “ingenuidade angelical” em tal episódio, por ter ajudado “a Folha a reconstituir esse insignificante episódio histórico (…), sem perceber que poderia ser superdimensionado e deturpado para servir como arma contra Dilma Rousseff”;
4) Acusar-me de “traidor” é uma infâmia, agora que está cabalmente esclarecido que me atribuíram a culpa pelo maior desastre da VPR, embora fosse alguém de escalão hierárquico superior ao meu que fornecera à repressão a localização da escola de treinamento guerrilheiro em Registro; tal erro crasso da Organização tornou insustentável minha situação na prisão, tendo sofrido uma lesão permanente e quase morrido. Apelar para golpes baixos é patético no caso de quem tem sobrenome de filósofo;
5) Quando da luta interna e racha de 1969, Espinosa me qualificava de “militarista” e “radical”. Mas diz que hoje eu estaria dando uma de esquerda radical. Parece que coerência não é o forte dele. Eu estava à esquerda do Espinosa há 46 anos e continuo à esquerda dele hoje. Trata-se de pura desonestidade querer embaralhar as coisas com intuitos difamatórios;
6) Quanto a pegar dinheiro da Anistia, é outra ignomínia do Espinosa se referir a isso. Porque não se trata de eu pegar algo, mas sim de, afinal, receber o que o ministro da Justiça me concedeu há uma eternidade (a portaria é de outubro de 2005): uma pensão vitalícia e uma indenização retroativa que deveria ser integralmente paga em 60 dias, de acordo com as regras do programa.
Ocorre que a União, exatamente por eu ser da esquerda radical e não lambe-botas do partido que está no poder, faz tudo para não acertar as contas do passado (o retroativo) comigo. Já perdeu por 8×0 o julgamento do mérito da questão e por 7×0 e 8×0 o julgamento de dois embargos de declaração flagrantemente protelatórios. Agora, depois de goleada três vezes no Superior Tribunal de Justiça, fez com que meu caso fosse despachado para o Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, a mim faz amargar nove anos de enrolações, mandando às urtigas a equanimidade, já os que não são de esquerda radical receberam e recebem tratamento bem diferente.
Ao levantar a bola para eu marcar o ponto, desta vez o Espinosa pelo menos ajudou o mais fraco a tornar conhecida sua luta contra os abusos de poder do mais forte. Bem pior é quando ele levanta a bola para a Folha marcar uma enxurrada de pontos…
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.
Mais textos de Celso Lungaretti
Leia também:
Deixe um comentário