Todo regime autoritário, para se perpetuar no poder, procura abafar qualquer manifestação e crítica aos seus métodos, ações e, principalmente abusos e crimes. Para isso, regimes desse tipo obviamente lançam mão dos canais de força do poder Executivo: polícias, Forças Armadas, departamentos de inteligência e por aí vai. Mas é preciso prestar muita atenção, pois isso também pode ser usado em tempos de plena democracia. De uma forma mais sutil, com certeza, mas ainda assim muito eficiente para calar críticos e até a oposição.
Um bom exemplo já foi fartamente documentado aqui mesmo no Congresso em Foco: o caso do jornalista Lucio Flávio (saiba mais aqui). Ele vive sob perseguição política desde que começou uma série de reportagens-denúncia contra poderosos empresários de seu estado, o Pará, e também está sendo sufocado com uma série praticamente ininterrupta de processos judiciais.
Esse tipo de situação tem se multiplicado nos últimos anos e um dos mais emblemáticos está sendo protagonizado pelo polêmico senador e ex-presidente José Sarney, homem público dos mais ciosos de sua vida privada. Nosso nobre senador moveu uma ação por danos morais contra a jornalista Alcinéia Cavalcante, do Amapá, por conta de uma enquete em seu blog pessoal, onde perguntava quais seriam os políticos mais corruptos do estado. Como é costume, vários políticos foram citados pelos internautas, mas José Sarney não gostou e processou a jornalista. No total, Alcinéia responde a 20 processos movidos pelo senador reclamando altas quantias a título de reparação por danos morais. Como ela não tem como se defender de tantos processos, pois vive com salário de professora aposentada, acabou condenada a pagar mais de R$ 2 milhões ao parlamentar.
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Dois casos emblemáticos que criam um precedente para inibir o ânimo crítico não só dos jornalistas, mas de todos os cidadãos. Ao mesmo tempo em que resulta na prática da auto-censura psicológica, mesmo diante da firme defesa da liberdade de expressão empreendida pelo ex-ministro Ayres Britto ao julgar o fim da Lei de Imprensa no STF três anos atrás. O ex-ministro lembrou na época o inciso I do artigo 220 da Constituição Federal: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. E completou: “A existência do abuso não pode coibir o uso”.
Esse novo modo de sufocar a liberdade de expressão, que já ganhou até apelido de censura judiciária, contraria princípios constitucionais e permite que qualquer um que tenha posição, autoridade e meios financeiros pode simplesmente se valer do pouco entendimento de parte do poder Judiciário para “calar a boca” de quem está lhe incomodando.
Nada mais perigoso para a cidadania, a vida republicana e a democracia.