Os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completam neste sábado (11) 150 dias e ainda sem solução. O prazo supera o dobro do levado até o indiciamento dos culpados em dois outros casos rumorosos. Na morte da juíza Patricia Acioli (assassinada em uma emboscada armada por milicianos), em 2011, foram 50 dias entre o crime e o indiciamento dos responsáveis. E no sumiço do pedreiro Amarildo de Souza (levado por policiais na Rocinha), em 2013, o prazo foi de 75 dias até todos serem formalmente indiciados.
A demora nas investigações do caso Marielle preocupa especialistas em segurança pública. Eles argumentam que o avançar do tempo é inimigo da resolução do caso, embora concordem que é preciso haver um trabalho fundamentado, com provas fortes, para prender os verdadeiros culpados.
Marielle e Anderson foram mortos na noite de 14 de março, após uma perseguição de dois outros veículos, no bairro do Estácio, zona norte do Rio.
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“Estou muito preocupado. Esperava um prazo mais curto. Quanto mais o tempo passar, mais difícil será resolver o caso”, declarou o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Cano admite a possibilidade de o caso ficar sem solução, mas adverte que as cobranças ao governo não vão cessar. “É uma possibilidade não haver resolução, mas nós não vamos esquecer e a sociedade vai continuar cobrando”, disse.
Para ele, o caso é mais complexo do que o de Patricia Acioli e Amarildo, por isso está levando mais tempo. “A diferença é que este caso foi uma morte muito planejada, executada por profissionais e com muitos recursos. Este caso acende um sinal vermelho, sobre o risco da violência avançar sobre a política brasileira, em uma situação que se tornará muito difícil”, advertiu.
O temor pela solução do caso também é compartilhado pela cientista social Silvia Ramos, especialista em segurança pública, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec/Ucam).
“Eu estou muito desesperançada neste momento. Acho que tem muita gente falando e estou vendo pouca ação. Porque não é só resolver. Dizer que foi o grupo tal e que o criminoso está morto.Tem que resolver com provas consistentes. Estou muito pouco otimista de que isto venha a acontecer”, disse Sílvia.
Segundo ela, a lentidão na investigação do duplo assassinato, que na próxima terça-feira (14) completará cinco meses, é fruto de anos sem investimento em investigação na polícia do estado.
“O caso da Marielle é uma confirmação da fraca tradição investigativa da polícia do Rio. É uma polícia que usa muito mais o tiroteio e o confronto do que a inteligência. E agora nós estamos pagando o preço por isso. Uma polícia que raramente usa perícia e investigação, que não esclarece 80% dos homicídios. É inaceitável que, depois de 150 dias, o que a gente tenha é boato e fofoca”, destacou.
Sílvia diz que não é possível afirmar categoricamente quem foram os responsáveis, mas que há fortes indícios dos possíveis autores. “Há todas as evidências de participação de grupos paramilitares. Isto é muito grave. As autoridades de segurança do Rio não entenderam ainda que um grupo de milicianos é muito mais perigoso do que um grupo de traficantes. Porque o inimigo está dentro de casa, dentro das corporações”, alertou.
OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da Secção Rio de Janeiro está acompanhando desde o primeiro dia o caso de Marielle e Anderson. O presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ, Breno Melaragno, destacou que confia em uma conclusão do inquérito, mas admitiu que a investigação está demorando além do desejável.
“É fato que está demorando muito. Mas como certamente envolve agentes de Estado, talvez agentes políticos e de segurança pública, a dificuldade que demanda mais tempo possa estar nisso. Mas não tenho dúvida de que vão chegar a uma conclusão, apontando os autores do crime”, disse o advogado.
Ele reconheceu que a demora causa uma grande angústia na sociedade e principalmente nas famílias das vítimas. “Infelizmente, o tempo é necessário para que a investigação seja correta, que aponte os verdadeiros culpados. Às vezes, quando uma investigação é muito curta, aponta inocentes. Por outro lado, concordo que o tempo está excessivo”, disse Melaragno.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Seseg) e a Polícia Civil foram procuradas para se pronunciarem sobre o caso, mas informaram que não irão divulgar informações sobre a investigação, que está sob sigilo.
Nos últimos dois dias, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que há “agentes públicos” e também “políticos” envolvidos na morte da vereadora, e que o crime pode ter sido motivado por disputas políticas e negociações para indicações a cargos públicos. Ele não citou nomes nem entrou em detalhes.
“Quando você tem o envolvimento daqueles que detêm o poder, [eles] de fato têm uma capacidade de, digamos assim, uma resiliência e uma capacidade de mobilizar defesas ou mobilizar meios de resistir. Mas, não tenho a menor sombra de dúvida de que não há nada que impeça a intervenção e a equipe que lá está de denunciá-los, a todos”, observou o ministro.
Há informações que três políticos presos no Rio, denunciados pela CPI das Milícias, também são investigados como suspeitos de participação na morte de Marielle e de Anderson.
Às vésperas de completar cinco meses do assassinato, a mãe de Marielle, Marinete Silva, disse que confia na Justiça e acredita que as investigações mostrarão os responsáveis pelas mortes.
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