Querido Ratinho,
Conheço bem você desde os anos 90 na CNT. Fui entrevistado em seu programa várias vezes. Também em seu programa na SBT, inclusive junto com o Bolsonaro. Sempre com muito respeito e humor. Você brincava sempre com o cameraman, falando para ele pegar a carteirinha do Grupo Dignidade. Será que tinha “viado” trabalhando no seu programa também?
No Brasil, quem quer prejudicar um homem ou menino o chama de “viado”. Muitos pais e mães desinformados falam “prefiro ter um filho morto a ter um filho ‘viado’”.
Você é um cara muito talentoso, carismático, inteligente, apresentador de televisão, empresário, humorista, radialista, político, ator… Um legítimo formador de opinião.
Mesmo com a intenção de ser brincalhão – você reforça os preconceitos e os estigmas que há contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais… (LGBTI+), veiculando nas mídias sociais o vídeo com o seguinte conteúdo comentando sobre as minisséries e novelas da Rede Globo:
“Você acha que tinha ‘viado’ naquele tempo? É muito ‘viado’: é ‘viado’ às seis da tarde, é ‘viado’ às oito da noite, é ‘viado’ às nove da noite, é ‘viado’ às dez da noite, é muito ‘viado’. Eu não sei o que está acontecendo, não tem tanto ‘viado’ assim. Ou tem? Será?”
Se você tivesse feito o mesmo comentário utilizando um termo com o mesmo teor pejorativo para falar sobre personagens negras, por exemplo, você já estaria respondendo por um crime. É aceitável usar dos meios de comunicação para chacotear estimados 10% da população brasileira que não contam com proteção jurídica específica contra esse tipo de injúria? Você pisou feio na bola.
Influenciar a opinião pública desta forma complicada contribui para perpetuar na sociedade brasileira a discriminação contra pessoas LGBTI+ que leva a situações como as a seguir:
Pesquisa nacional realizada sobre o ambiente escolar em 2015/2016 mostrou, entre outras coisas, que 73% dos/das estudantes LGBTI+ com entre 13 e 21 anos de idade foram agredidos/as verbalmente nas escolas; 36% foram agredidos/as fisicamente; e 60% se sentiam inseguros/as na escola no último ano por serem LGBTI+ (ABGLT/Grupo Dignidade/UFPR, 2016). E não é só na escola, continua no resto da vida: o site Quem a Homofobia Matou Hoje registra em média um assassinato de pessoas LGBTI+ por dia no Brasil, apenas por serem o que são – LGBTI+, liderando de maneira disparada o ranking mundial deste tipo de homicídio. Também há dados que mostram que o índice de suicídio entre essa população LGBTI+ é 8 vezes maior comparado com pessoas heterossexuais, em grande parte devido à rejeição, discriminação e violência psicológica e física sofridas pelo fato de ser LGBTI+.
![ratinho-DIVULGACAO](https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2018/01/ratinho-DIVULGACAO-300x187.jpg)
Apresentador postou vídeo em seu Instagram criticando quantidade de personagens homossexuais em novelas. Ratinho se retratou após repercussão negativa
Citando Josie Conti, as projeções, constituem os comportamentos e pensamentos que são atribuídos ao outro, mas que, na verdade, são formulações nossas, das quais não gostamos ou as quais não aceitamos. Logo, é mais fácil pensar que o outro pensa e faz algo pouco correto ou ético, do que admitirmos que nós mesmos estamos preenchidos com aquele pensamento, desejo ou comportamento em si. Ou seja, quando o comportamento aparece no outro, nós nos permitimos falar sobre ele e criticá-lo, muitas vezes até ferozmente.
Só enxergamos aquilo que queremos ver.
Ratinho, a rede Globo não inventou a homossexualidade, ela existe desde que o mundo é mundo. Acredite. Tinha gay/“viado” na idade da pedra, na Grécia, em Roma… Goethe falou que a homossexualidade é tão antiga quanto a humanidade.
A rede Globo não coloca os “viados”/gays para incentivar a homossexualidade. Quem não está com sede não toma água, como já dizia meu irmão falecido.
A rede Globo tem tido responsabilidade social com a cidadania LGBTI+ há alguns anos. Hoje tem LGBTI+ nos programas de jornalismo, de auditório, nas novelas: Malhação, Pega-Pega, Outro Lado do Paraíso, Entre Irmãs… e terá muito mais. Se há LGBTI+ na sociedade e na vida, estarão refletidos na ficção. De uma maneira ou outra, tem LGBTI+ em todas as famílias, todas as empresas, todas as TVs… estão em todos os lugares.
Você acertou na análise, mas errou no tom.
Ratinho, não adianta reclamar. Nós “viados”/LGBTI+ não voltaremos para o armário, nem as mulheres para cozinha e nem os negros para senzala. “Aceita que dói menos, ou senta e chora”, como já dizia a poeta popular. No entanto, e contrariando a poeta, não precisa nos aceitar, respeitar-nos já está de bom tamanho.
Ratinho, não seria legal você, como formador de opinião, ajudar as pessoas a serem assumidas para serem felizes e serem elas mesmas, independente de serem LGBTI+, héteros ou assexuais?
Parabéns pelo seu posicionamento se retratando e pedindo respeito.
Vamos juntos e juntas construir um Brasil como previu Rosa de Luxemburgo “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”
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