Marcelo Aith *
Na última sexta-feira, 15 de fevereiro, o mundo jurídico foi surpreendido com a notícia de que o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, autorizou a quebra do sigilo bancário do escritório do advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, supostamente para constatar quem teria arcado com os honorários do respeitado advogado do ex-presidente Michel Temer. Tamanha aberração não atinge apenas o renomado criminalista, mas a advocacia criminal em geral e a sociedade como um todo.
Com efeito, o resultado disso é a criminalização da profissão do advogado perante a opinião pública. Tal fato tornou-se ainda mais evidenciado no período seguinte ao início da Lava Jato, em que os embates entre procuradores, juízes e defensores tinham nestes a figura do inimigo da sociedade e, naqueles, os paladinos da moral e da justiça. Uma aberração, para dizer o menos!
A sociedade tem que se conscientizar de que o advogado é peça “indispensável à administração da Justiça”. O reducionismo dessa atribuição constitucional tem resultado na proliferação de afrontas aos direitos fundamentais, como a quebra de sigilo bancário de um advogado para apurar quem teria realizado o pagamento de seus honorários.
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Na hipótese específica envolvendo Mariz de Oliveira, a situação se afigura ainda mais grave face ao escopo da quebra do sigilo. Não há qualquer notícia de indício de ilícito praticado pelo advogado ou por qualquer integrante de sua equipe que pudesse ensejar tal invasão em suas esferas de privacidade.
A ilegalidade praticada contra Mariz de Oliveira já foi perpetrada contra centenas de advogados criminalistas – que, invariavelmente, têm sua imagem associada, como irmãos siameses, aos seus clientes. Essa imagem da advocacia é fruto do seu enfraquecimento ao longo dos anos, face a uma Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) subserviente, politizada, leniente, que pouco se preocupava com a defesa das prerrogativas dos advogados. O enfraquecimento da advocacia resultou no protagonismo exacerbado do Ministério Público, mas há luz no fim do túnel com a nova safra de representantes eleitos no fim de 2018.
PublicidadeCumpre trazer a brilhante lição do professor da Universidade Federal do Rio Grande, Salah Khabed Júnior, que retrata, em sua obra Discurso de Ódio e Sistema Penal, com tintas fortes e indeléveis, o atual cenário da advocacia criminal brasileira: “Não é a simples retratação demonizada de um advogado específico em um caso particularmente polêmico, ainda que renomados advogados tenham experimentado o sabor amargo do veneno destilado pela criminologia midiática: é a advocacia em si que tem sido vítima de cruzadas morais da grande mídia e até mesmo de entidades representativas de classe que, movidas por um impensado sentimento de solidariedade com pares, tratam os advogados como se inimigos fossem”.
No entanto, a verdadeira intenção subjacente em demonizar a advocacia criminal está intimamente associada ao recrudescimento do punitivismo que se acentuou com a Operação Lava Jato. Esta surgiu como a última esperança da sociedade contra uma elite política corrupta. Todavia, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e não há processo devido sem a figura do advogado. Dessa forma, atacar aos advogados nada mais é do que aviltar, desprestigiar e aniquilar a própria ideia de defesa, como se ela fosse um obstáculo indesejável para a concretização da justiça e do combate à corrupção.
Há duas alternativas à advocacia criminal: continuar mera coadjuvante no processo ou voltar ao protagonismo da defesa dos seus patrocinados e de suas prerrogativas – preservando, dessa forma, os legados de Mendes Júnior, Heráclito Fontoura Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, Waldir Troncoso Peres, Evaristo de Moraes e Manoel Pedro Pimentel, dentre outros lendários penalistas?
O genial e inesquecível Sobral Pinto tem a resposta à indagação: “Advocacia não é profissão de covardes”.
* Especialista em Direito Criminal e Direito Público.
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