Há alguns dias resolvi percorrer virtualmente este planeta, berço de uma raça humana tão avançada e civilizada que já quer até ir a Marte – e que surpreendentemente ainda convive com a tortura.
Comecei pelo Vietnam, país no qual, segundo a Human Rights Watch, apenas no ano passado 15 pessoas morreram vítimas de tortura. De lá fui para o Uzbequistão, onde 39 presos morreram torturados no mesmo período. A escala seguinte foi na Indonésia, a fim de ler um chocante relatório segundo o qual “agentes torturam rotineiramente suspeitos e condenados a fim de extrair confissões ou obter informações”.
Fui para a Nigéria, examinar um outro estudo assustador indicando que em cada prisão e delegacia há um “Oficial Torturador”. Os métodos apurados vão do estupro puro e simples ao gás de pimenta nos olhos e genitais dos presos, e da privação do sono aos choques elétricos, passando pela horripilante prática de dar tiros nos joelhos.
Resolvi ir para Portugal. Deparei-me com um relatório da Anistia Internacional dando conta de que “as investigações sobre denúncias de torturas prosseguiram de modo lento em Portugal”. Horrorizado diante de tamanha impunidade, fui para longe – acabei lá no Nepal. E descobri que naquele distante recanto uma a cada quatro crianças – sim, crianças – detidas por algum motivo qualquer são torturadas.
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Saí de lá correndo, rumo aos Estados Unidos. Onde descobri um sinistro sistema sob o qual, apenas em agosto de 2002, um preso foi submetido a nada menos que 83 sessões de tortura. Outro, ainda mais infeliz, passou por 183 delas em um único mês: março de 1983. O mais repulsivo é que tudo era do conhecimento das maiores autoridades daquele país – um caso único de tortura autorizada e legalizada. Aliás, ainda na semana passada noticiou-se o caso dos presos da Georgia, mantidos nus durante longas e humilhantes 12 horas.
O mesmo estado de nudez teria sido imposto a alguns detidos na Suíça – minha escala seguinte. Segundo denunciaram grupos de defesa dos direitos humanos, ficaram nus e algemados durante longas horas, para assim seres fotografados pelos agentes da lei.
Voltei para a África, rumo a Uganda. Apenas em 2009 foram mais de 5 mil acusações de tortura – e li que na verdade eles seriam muitos mais, apenas não tendo sido denunciados por medo.
Fui para o Japão. Para descobrir o caso de um preso que morreu vítima de hemorragia interna, após uma violenta sessão de torturas. E o de um outro que teve um ataque cardíaco enquanto era agredido pelos guardas. Deparei-me com um chocante relatório no qual constava o caso dos administradores de uma penitenciária que ao longo de um único ano castigaram fisicamente detentos 148 vezes.
Decidi interromper a viagem – que, afinal, não terminaria nunca, tantos, tão medonhos e tão dispersos geograficamente são os casos de tortura noticiados. Voltei para o Brasil, também ele berço de notícias quase diárias de ocorrências deste tipo.
É curioso, este estado de coisas – superior aos milênios e às fronteiras, resistente às religiões e aos avanços da ciência. Talvez o explique uma interessante frase de Friedenberg: “as pessoas não só aceitam a violência quando perpetrada pela autoridade legítima, como aceitam como legítima a violência contra certas espécies de pessoas, não importa quem a cometa”.
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