Michael Coutts-Trotter foi nomeado responsável pelas maiores penitenciárias da Austrália – o equivalente a secretário de Justiça do maior e mais importante estado brasileiro. Seu primeiro ato foi ir a público apresentar a história de sua vida – como alguém saiu da posição de presidiário condenado por tráfico de entorpecentes à de responsável pelo maior sistema prisional do país.
Ele começou esta incrível narrativa dizendo que enquanto jovem era usuário, importador e distribuidor de heroína – crime pela qual foi preso e condenado nos idos de 1984. Passou uns bons três anos na prisão.
Este tempo no cárcere deixou impressas em sua memória visões terríveis. Uma, por exemplo, foi a de dado colega de prisão esfaqueado por outros presidiários, gritando e segurando suas tripas para que não caíssem no chão. Outra foi a do preso vítima de um estupro coletivo em sua cela. Além disso, Michael viu muitos companheiros de infortúnio serem torturados – alguns, inclusive, através do uso de porretes de madeira. Declarou-se afortunado por ter saído daquele lugar vivo e ileso.
Até aí, convenhamos, nada há de muito diferente da realidade brasileira. A novidade surgiu a partir da libertação – e descrevo-a valendo-me de suas próprias palavras: “Após cumprir sua pena na Austrália – de forma extraordinária – você tem a chance de um reinício”.
Ele observa que a palavra “extraordinária” deve-se a que, na maioria dos países, um ex-presidiário será discriminado até o final de seus dias por conta de um passado muitas vezes já sepultado definitivamente. Em alguns estados dos EUA, por exemplo, ele não conseguiria licença para abrir uma prosaica barbearia por conta de seus antecedentes.
Como na Austrália a filosofia é outra, ei-lo funcionário do governo. A pessoa responsável por sua nomeação, Michael Egan, foi alvo de matéria de capa de jornal de circulação nacional por conta dela – vê-se que a mentalidade de alguns não seguiu o avançado espírito das leis. Foi notável, porém, sua firmeza: “Sim, eu o nomeei sabendo de seus antecedentes – e ele está fazendo um bom trabalho”.
Passadas algumas décadas ei-lo recompensado. Diriam alguns que Michael Coutts-Trotter será um bom administrador de presídios porque já esteve “do outro lado da mesa”. Discordo desta expressão. Afinal, a mesa é redonda.
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