Os fatos que têm ocupado o noticiário na atualidade não têm deixado muito espaço para outras informações que não falem de guerra, ódios, pandemia, aumento no preço dos combustíveis e outras más notícias que tem inundado nossas mentes, machucando nossos corações.
Talvez por isso, uma data venha passando meia despercebida, mesmo sendo relativa a algo de relevância no ambiente da comunicação e que se deu no calendário brasileiro há meio século. Foi exatamente há 50 anos, que a primeira transmissão apresentou cores na TV brasileira. Com imagens geradas a partir do Rio Grande do Sul, a TV Globo transmitia a Festa da Uva de Caxias do Sul, em fevereiro de 1972, período em que o Brasil vivia sob o jugo da ditadura militar e que tinha o general Medici na Presidência da República.
Tempos difíceis em que até o colorido da TV foi utilizado para mascarar o cinza da tortura nos porões de todo o país. “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque no noticiário o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz…”, teria sido, naquela ocasião, a declaração do general nascido em Bagé (RS) e que em cujo governo a ditadura militar atingiu seu ápice, com a repressão e a censura às instituições e com a proibição de qualquer manifestação contrária ao sistema. Não por acaso, foi o período que ficou conhecido historicamente como “Anos de Chumbo”, marcado pelo uso de práticas e meios violentos como a tortura e o assassinato como métodos de eliminação de adversários políticos.
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A televisão, seguramente pelo seu caráter de abrangência na audiência, entraria na lista de controles permanentes do regime.
Logo no mês de março, o novo padrão de transmissão em cores, chamado PAL-M, foi oficializado na TV do Brasil, elevando a televisão a um novo patamar de influência e participação na vida do brasileiro.
Passados 50 anos daquela transmissão da Festa da Uva de Caxias do Sul, em cores, as inovações na TV são absolutamente inovadoras e inúmeras. Hoje, chegam do streaming a aparelhos ultra modernos, confirmando a consolidação de novas tecnologias e novos meios que se introduziram na vida e no cotidiano das pessoas, numa convergência tecnológica que nem cogita sair de cena tão cedo, devendo intensificar-se ainda mais.
PublicidadeE as mudanças se deram, de lá até aqui, mas sempre obedecendo uma lógica de tentar perpetuar um modelo que não ameace o “status quo”, nem implique em mudança de eixo sobre quem determina a pauta e os lugares de fala, com seus respectivos porta-vozes.
Experimentamos uma contundente diversificação nos produtores de conteúdo mas, nem de longe, essa possibilidade horizontalizada de produção arranha os interesses de quem impõe ao Brasil uma estrutura de poder já muito bem definida pelo filósofo norte-americano Noam Chomsky que, há muito, vem falando sobre o poder de manipulação que a mídia exerce nos Estados democráticos da atualidade, os quais procuram fazer com que a população não consiga conduzir seus assuntos de interesse mais pessoal, fazendo com que os canais de informação sejam eficientemente controlados. Noam Chomsky defende que nessa noção de Estado democrático e como ele se desenvolve nem de longe defende o interesse coletivo e que, por isso e de forma hábil, os que tem esse controle da mídia expandem o processo de desinformação, criando uma ambiência que sugere uma noção de pseudo liberdade, num maquiavélico jogo de pretensa defesa de liberdade de expressão.
Mas quero, ainda, recorrer ao pensamento de Chomsky para refletir sobre o que de fato pode ser essa pretensa pluralidade de opinião.
“Se você acredita na liberdade de expressão, você acredita na liberdade para exprimir opiniões de que você não gosta. Quer dizer, Goebbels era a favor da liberdade de expressão para opiniões que ele gostava. Tal como Stalin. Se você é a favor da liberdade de expressão, isso significa que você é a favor da liberdade de exprimir precisamente as opiniões que você despreza. Caso contrário, você não é a favor da liberdade de expressão”, diz Chomsky.
No entanto, em pouco mais de 70 anos de TV no Brasil, ainda temos uma narrativa monocórdica, uma voz única em defesa de interesses que não se coadunam com as reais necessidades da nossa gente, o povo que mais precisa de políticas públicas eficientes, que pavimentem o processo de transição de condições de vida adversas para a ascensão social.
A história da televisão no Brasil começou 20 anos antes da primeira imagem em cores e, mesmo sendo uma concessão pública, veio pelas mãos do empreendimento privado, no caso, pela ação do paraibano Assis Chateaubriand que, com a TV Tupi de São Paulo, colocou no ar a primeira emissora brasileira e a primeira da América do Sul.
Com programações em preto e branco e transmissões ao vivo, a emissora inaugurou, sim, uma nova era das comunicações no país. Mas exibe, até hoje, um imensurável passivo com relação às contrapartidas para formação e defesa do que realmente seria construtivo para o País na perspectiva da construção do sentimento de cidadania.
Mas isso, talvez, fique ainda no limbo enquanto não tivermos pleno cumprimento do que preconiza o Artigo 221 da nossa Constituição Federal, que pontifica que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I ‐ preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II ‐ promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III ‐ regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”.
Espero não termos que esperar pelo centenário da TV no Brasil para vermos tudo isso verdadeiramente em vigor.
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