Airton Florentino de Barros*
Produto da histórica e deliberada concentração de riqueza no país, existente desde a monarquia, monopólios e cartéis empresariais asseguraram sua subsistência até a atualidade graças à ilícita promiscuidade entre a coisa pública e o centralizado poder econômico privado.
Basta ver que as cinco ou seis mais poderosas empreiteiras nacionais e igual número de gigantes do agronegócio cresceram no país com a ajuda direta de governantes, mediante o compromisso de contribuírem para caixas de propina e de campanhas eleitorais, tudo cruzado com fraude em licitações, superfaturamentos, desvios e anistias fiscais. E isso não se deu de modo diferente com os três maiores bancos privados atuantes no país, que hoje concentram 80% das operações de crédito no território nacional. Inclua-se nesse seleto rol três ou quatro redes comerciais de distribuição de bens e alimentos e um diminuto número de indústrias que monopolizam o abastecimento interno de produtos primários.
Ocorre que esses cartéis, de tão fortes, convertem agentes do governo e o próprio Estado em seus reféns. Não se contentam em utilizar os ordinários instrumentos de convencimento. Constroem o resultado dos processos eleitorais e, assim, ditam as diretrizes governamentais.
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São eles, pois, e não o Estado, que determinam as políticas de crédito habitacional, industrial, empresarial e pessoal, além de dirigir ou impedir o estabelecimento de pautas públicas da saúde, habitação, educação e segurança. E o fazem controlando seus fantoches, os políticos que se elegem com o seu financiamento, quase sempre ilegal.
No Congresso, dominam a maioria, chamada há décadas de Centrão e, por isso, comandam toda a política nacional, incluindo as deliberações de reforma constitucional. Como pouco lhes importa a autenticidade da representação popular, visto que o fisiologismo ideológico de parlamentares favorece sua estratégia, estimulam a fragmentação e o enfraquecimento dos partidos políticos.
Ditam, por exemplo, a política de parcelamento do solo, abastecimento e preço, investimentos públicos em obras e infraestrutura, de vigilância sanitária e até do meio ambiente.
O dos bancos, especificamente, além de jogar criminosamente com a taxa de juros de modo a vincular especialmente os títulos públicos, impõe a política de poupança popular e crédito, privilegiando, nas últimas décadas, o rentismo. Chega mesmo, aliás, a sonegar crédito a atividades produtivas, pouco importando os danos sociais decorrentes. Daí a visível decadência da indústria e tecnologia, que leva o consumidor brasileiro a pagar mais caro, enquanto a indústria estrangeira agradece.
Em outros termos, tudo fazem para evitar a sombra de novos concorrentes não comprometidos com o esquema.
Numa verdadeira democracia, a grande mídia, como instrumento de comunicação social, deveria pautar-se pelo dever de informação pública, de tal modo a dar conhecimento ao povo de todas as tramas dos bastidores da república, sobretudo as piores, aquelas que enriquecem criminosos e condenam o povo à eterna miséria.
Se no dito popular roupa suja se lava em casa, não se pode esquecer que a casa da república é a praça pública.
Ocorre que essas grandes forças nacionais, para a manutenção desse abusivo e até criminoso controle concentrado do poder político e econômico, precisavam, de um lado, unirem-se num círculo de proteção mútua e, de outro, manterem a grande imprensa mansa e pacífica em relação aos seus interesses. E a bem da verdade, dar um cala-boca aos agentes da imprensa não era mesmo tarefa difícil.
Primeiro, porque a grande mídia também já é explorada tradicionalmente no país por um pequeno número de pessoas. Segundo, porque, seria suficiente lhe impor um certo nível de dependência em relação a essa verdadeira organização criminosa de carteis, bastando, assim, que cada um de seus integrantes destinasse consideráveis verbas de patrocínio a cada um dos órgãos da grande mídia que, então, por dedução lógica, não teria coragem de denunciar suas ações, por mais ilícitas que fossem.
Pelo contrário, a mídia, consideradas as vantajosas condições, não seria simplesmente omissa, mas até agiria ativamente para favorecer os garantidores de sua higidez financeira.
Foi, pois, o que aconteceu. A grande mídia brasileira guardou a ética nas gavetas de um desses Caixas 2 e, ao invés de, como era de seu dever, fiscalizar e denunciar os abusos do poder político e econômico, associou-se aos indigitados cartéis, mediante o suborno do gordo patrocínio permanente e ininterrupto.
Tornou-se, aliás, protagonista no que se poderia chamar de confederação dos cartéis que, como qualquer organização política paralela, fez com que seus integrantes abandonassem a respectiva finalidade legal para, de forma secreta, agirem com o exclusivo e uniforme objetivo de, protegendo-se reciprocamente, até por meios ilícitos, manterem o poder político e econômico concentrado em suas mãos.
O certo é que esse minúsculo grupo de pessoas fabrica e extermina candidatos a cargos públicos relevantes e, assim, a seu talante, forja e derruba presidentes da república e outros agentes de primeiro escalão. Quem ousa rebelar-se contra sua deliberação, em geral manifestada por meio de lideranças do Centrão, sofre séria represália.
Não é sem razão que, na história recente, ao insinuar seu interesse em regular a mídia, dois presidentes da república depararam-se com a fúria do Centrão que, num dos casos, por um de seus integrantes, denunciou o chamado Mensalão e, no outro, também por seu principal representante da hora, instaurou processo de impedimento presidencial, com base em sistemáticos vazamentos de informações judiciais sigilosas, publicadas seletivamente pela grande mídia com o objetivo de derrubar uma presidente da república e, ao mesmo tempo, abalar a idoneidade financeira da fortíssima Petrobrás para forçar sua privatização.
É que essa gigante petroleira comprometia com o controle estatal e sua política de preços os interesses acionários e de investimentos dos referidos cartéis.
O certo é que esse esquema de controle fraudulento e paralelo do Estado envolve agentes de todos os Poderes.
De fato, muito estranho, embora compreensível diante de tais circunstâncias, que ninguém do cartel dos bancos tenha sido judicialmente convocado na exageradamente midiática operação Lava Jato, nem mesmo como testemunha, considerando que toda a movimentação da suposta propina e da chamada contabilidade paralela das empreiteiras teria ocorrido por meio de operações bancárias.
Quem acompanhou o raciocínio, portanto, não terá dificuldade para entender por que os últimos atos de concentração bancária recentemente aprovados pelo Bacen e Cade, como a aquisição dos principais ativos do Citibank pelo Itaú, por exemplo, passaram pela grande mídia como normais, apesar de sua ilegalidade, imoralidade e lesividade.
Muito simples explicar então por que, sob aplausos da grande mídia, o indigitado Centrão, no Congresso Nacional, patrocinou e aprovou a reforma legal que garantiu a denominada autonomia do Banco Central, oficial cartório homologador da vontade do cartel dos bancos.
Nessa reciprocidade de proteção, vê-se a razão de todos esses carteis se unirem, em compensação, para contrariar qualquer proposta de regulação da mídia, sob o nobre argumento da possibilidade de comprometimento do direito social à informação, indispensável à democracia. Até porque, se isso ocorrer, o pesado patrocínio das atividades da grande imprensa por tais cartéis também será regulado e, coincidentemente, sob o mesmo argumento.
Não é razoável, pois, que todas as cinco maiores redes de televisão e os três maiores jornais impressos no país sejam ao mesmo tempo e invariavelmente patrocinados por cada um e todos os maiores bancos nacionais, em que pese o concreto risco de serem forçados a lhes submeter a pauta a ser adotada, podendo chegar ao ponto de impedir a divulgação de informações que lhes contrariem o interesse, como já tem ocorrido.
Quem duvidar, assista aos jornais da televisão aberta e leia as notícias dos maiores jornais nacionais. A pauta é idêntica quanto aos principais fatos políticos, econômicos e sociais. Será coincidência?
Não se trata de destruir a liberdade de informação e da comunicação social, mas de impedir que a mídia, seduzida com verbas de patrocínio de verdadeiras organizações criminosas, deixe de cumprir o seu dever de bem informar, sobretudo a respeito de fatos relevantes para cidadania.
Pode-se concluir, pois, que quando a grande imprensa nacional ficar verdadeiramente livre de ingerências, restará sensivelmente reduzido o abusivo poder econômico desses monopólios e cartéis empresariais que, até agora, tem impedido a instauração da esperada democracia e o aparecimento de uma sociedade representativa de todos os seus cidadãos, mais próspera, justa e solidária.
*Airton Florentino de Barros é advogado e professor de Direito Comercial, fundador e ex-presidente do Ministério Público Democrático
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