Lúcio Lambranho
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Os deputados Carlos Abicalil (PT-MT) e Valadares Filho (PSB-SE) têm versões diferentes sobre a origem de uma passagem aérea paga com cota da Câmara para um colaborador do empresário Fernando Sarney. O relatório da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal (PF), como revelou ontem o Congresso em Foco (leia mais), mostra como o ex-funcionário do Senado Marco Antônio Bogéa usou esse bilhete para levar uma mala de Brasília para São Paulo a pedido do filho do presidente do Senado.
O episódio demonstra descontrole no sistema de pagamento de viagens de deputados. Nos documentos repassadas à PF pela TAM, o nome de Abicalil aparece em uma das planilhas de expedição da passagem na loja da companhia aérea na Câmara. A informação indica que o bilhete de embarque foi comprado por meio da cota mensal a que Abicalil tem direito para fazer deslocamentos semanais entre Brasília e seu estado.
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Procurado pelo site, o deputado do PT mostrou-se indignado. Ainda na quarta-feira (4), em nota (leia íntegra), disse que sua cota foi emprestada, “sem o seu conhecimento prévio” ao gabinete de Valadares Filho. No mesmo dia, o deputado sergipano também negou em entrevista qualquer responsabilidade pelo pagamento da passsagem.
Ontem, Valadares mudou o tom. Por meio de uma nota (leia a íntegra), afirmou que as declarações do colega do Mato Grosso têm “o intuito apenas de tirar a responsabilidade do nome de quem realmente consta na documentação” da PF.
Valadares Filho sustenta no texto que “jamais autorizou pedido de empréstimo por parte de algum funcionário do seu gabinete de cota de passagem para o gabinete do deputado Carlos Abicalil”. E diz que “estranha a acusação”, pois “se supõe, que um funcionário público não poderia simplesmente repassar cota de passagem aérea sem o conhecimento prévio de um parlamentar”.
Ontem, novamente por meio de uma nota (leia a íntegra) e após a publicação da reportagem, Abicalil informa que cancelou todos os créditos de saldos emitidos pela TAM e pediu providências à 3ª Secretaria, responsável pelo uso das cotas, a Procuradoria Parlamentar e a bancada do seu partido. “O deputado somente se pronunciará sobre as especulações em torno do episódio noticiado de posse das informações completas e esclarecimentos formalmente solicitados”, informa sua assessoria.
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“Confusão total”
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O caso chamou atenção do Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF). É lá que existe uma investigação, desde junho de 2008, sobre o uso indevido das cotas de passagens aéreas da Câmara. A procuradora da República Anna Carolina Resende, responsável pelo inquérito civil público, vai pedir aos delegados responsáveis pela Operação Boi Barrica informações sobre a viagem de Marco Antônio Bogéa. Bogéa também foi funcionário terceirizado na função de assistente de produção da TV Senado entre junho de 2004 e junho de 2007, um mês antes da viagem monitorada pelos policiais federais.
A investigação da PF acusa o Fernando Sarney, de montar um esquema de corrupção no governo. Segundo o relatório da PF, que diz ter acompanhado os passos dele em Brasília neste dia, a mala foi transportada no voo JJ 3719, até a casa de Fernando Sarney nos Jardins, na capital paulista. De acordo com o relatório da operação, foi Astrogildo Quental, diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Eletrobrás, quem entregou essa carga para Bogéa antes do embarque. Quental foi indicado para o cargo pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-MA), e foi secretário estadual de Infra-Estrutura do Maranhão no governo de Roseana Sarney. Fernando Sarney e Astrogildo Quental negam as acusações.
Na Câmara, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), um dos integrantes da Frente Parlamentar Anticorrupção, disse ao Congresso em Foco que vai levar o problema para uma reunião do grupo com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), na próxima terça-feira (10). Fruet também informou que vai cobrar explicações do 3° secretário, deputado Odair Cunha (PT-MG). Na quarta-feira (4), por meio de sua assessoria, o deputado do PT disse que não iria se pronunciar. “A matéria mostra que há uma confusão total no uso das cotas. Não podemos ter dúvidas neste caso, pois envolve dinheiro público”, avalia Fruet.
A Câmara não informa qual é o gasto mensal com as cotas de passagens aéreas. Os valores pagos variam de acordo com o estado do deputado. Os parlamentares de Roraima recebem R$ 16.938,44 e os do Distrito Federal, apesar de não precisarem de deslocamento aéreo, ganham R$ 4.253,91. Os integrantes da Mesa têm 70% a mais sobre os valores de cada estado. Os suplentes de secretário e líderes dos partidos têm as suas ampliadas em 25%. Além disso, o Ato da Mesa 11 de 2007 determinou que o débito da cota de transporte aéreo pode ser compensado mediante aproveitamento do saldo disponível das cotas postal e telefônica.
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Ainda no ano passado, o Congresso em Foco fez uma simulação sobre gastos que teriam os parlamentares que têm direito às maiores fatias desse bolo: Acre, com R$ 17.429,77, e Roraima, com R$ 18.337,68. Considerando-se apenas tarifas não promocionais disponíveis no mercado, constatou-se uma sobra que varia de R$ 4 mil a R$ 5 mil na compra de quatro passagens de ida e volta entre Brasília e as respectivas capitais desses estados. Com viagens constantes os deputados também acumulam milhagem nas companhias aéreas, mas esse valores não são usados para reduzir o tamanho das cotas a que eles têm direito a cada mês.
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