Edson Sardinha, Thomaz Pires, Lúcio Lambranho e Eduardo Militão
O Supremo Tribunal Federal (STF) acelerou o ritmo das investigações contra parlamentares enquanto o Congresso discutia o projeto ficha limpa. Levantamento exclusivo do Congresso em Foco revela que o Supremo abriu 85 processos contra 57 deputados e senadores entre 29 de setembro, data de chegada da proposta de iniciativa popular à Câmara, e o último dia 4, quando o presidente Lula sancionou a Lei Complementar 135/10, que proíbe a candidatura de políticos com condenação em órgão colegiado da Justiça.
Foi uma média de três processos por semana ou 12 por mês, levando-se em consideração o último recesso do Judiciário, ocorrido entre 20 de dezembro e 1º de fevereiro.
O índice de investigações abertas durante a tramitação do ficha limpa supera o dos quatro meses que antecederam a tramitação da proposta, que era de 2,5 por semana ou dez por mês. Entre maio e setembro de 2009, os ministros deram encaminhamento a 30 acusações contra 25 parlamentares, conforme revelou na época o Congresso em Foco, descontado também o mês do recesso.
Segundo a assessoria do Supremo, não há nenhuma orientação no período que pudesse explicar a mudança nas médias de abertura de processos.
Bancadas diversificadas
Enquanto o ficha limpa tramitou no Congresso, foram abertos 73 inquéritos contra seis senadores e 46 deputados. O Supremo encontrou, ainda, elementos para transformar em réus nove deputados e três senadores em 12 ações penais. Ao todo, 13 parlamentares viraram alvo de mais de uma investigação.
Na lista dos novos investigados, figuram parlamentares de 21 estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. Há representantes de 13 partidos políticos: DEM, PDT, PMDB, PMN, PP, PPS, PR, PRB, PSB, PSC, PSDB, PT e PTB.
Os chamados crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria, são os casos de maior incidência entre os processos abertos pelo STF durante a tramitação do ficha limpa. São ao todo 11 casos, dez inquéritos e uma ação penal.
Logo abaixo, empatados com nove casos registrados, estão os crimes de peculato (apropriação, por funcionário público, de bem ou valor de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio) e o de responsabilidade, normalmente praticado quando o deputado ou senador exercia outra função pública.
O Supremo também abriu sete processos – seis inquéritos e uma ação penal – por crime contra a Lei de Licitações. Estão também entre os tipos penais mais comuns dessa nova safra de processos cinco casos de apropriação indébita e sonegação previdenciária e mais outros quatro processos por crimes eleitorais. A lista também inclui dois crimes ambientais, um inquérito de estelionato e outro inquérito por trabalho escravo.
Condenações inéditas
No mês passado, os ministros condenaram, pela primeira vez, um parlamentar desde a Constituição de 1988. E em dose dupla: os deputados Zé Gerardo (PMDB-CE) e Cássio Taniguchi (DEM-PR), os dois por crime de responsabilidade.
Condenado a seis meses de prisão por mau uso do dinheiro público, Taniguchi ficou livre de cumprir a pena porque os ministros entenderam que o caso havia prescrito, ou seja, não era mais passível de punição por causa da demora no julgamento. Porém, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerar que a Lei Ficha Limpa, publicada ontem no Diário Oficial da União, valerá para as próximas eleições e que sua extensão atinge os processos decididos antes da sanção presidencial, o paranaense ficará inelegível. Os ministros responsabilizaram Taniguchi por irregularidades ocorridas no período em que ele foi prefeito de Curitiba.
No dia 13 de maio, Zé Gerardo entrou para a história como o primeiro deputado brasileiro condenado pelo Supremo desde a promulgação da Constituição de 1988. O cearense foi condenado a prestar serviços à comunidade por dois anos e dois meses e a pagar 50 salários mínimos de multa (cerca de R$ 25,5 mil). Se o ficha limpa estivesse em vigor naquela data, José Gerardo já ficaria inelegível. Inicialmente, o peemedebista foi condenado a dois anos e dois meses de prisão em regime aberto, mais multa. Porém, os ministros resolveram alterar parte de pena para prestação de serviços.
De acordo com a denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF), Zé Gerardo, quando administrava a prefeitura de Caucaia (CE), entre 1997 a 2000, recebeu R$ 500 mil, em recursos públicos federais, para a construção de um açude na cidade. A verba foi liberada por meio de um convênio com o Ministério do Meio Ambiente. Porém, segundo o MPF, o dinheiro foi usado para a construção de passagens molhadas, espécie de ponte erguidas com pedras em áreas alagadas.
Pressão popular
A Lei Complementar 135/10 nasceu de uma proposta elaborada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reúne mais de 40 entidades da sociedade civil. O texto chegou ao Congresso no dia 29 de setembro do ano passado, com o apoio de aproximadamente 1,5 milhão de assinaturas. Durante sua tramitação, o texto enfrentou forte resistência de parlamentares. Mas acabou aprovado sob forte pressão popular e o apoio virtual de 2,5 milhões de internautas, que assinaram um abaixo-assinado na internet.
O texto aprovado pelo Congresso proíbe por oito anos a candidatura de políticos condenados na Justiça em decisão colegiada, ainda que o processo não tenha finalizado seu trâmite (trânsito em julgado).
Esta é a segunda lei de iniciativa popular. A outra (Lei 9.849/99) tipificou o crime da compra de votos. Para propor um projeto de iniciativa popular, a Constituição exige a coleta de assinatura de 1% da população eleitoral nacional, distribuídas por pelo menos cinco unidades federativas. Em cada uma dessas unidades, devem ser reunidas assinaturas equivalentes a 0,3% do eleitorado local.
Leia ainda hoje:
A lista dos parlamentares que respondem aos novos processos no STF