Sim, é provável que as forças de segurança não tenham tido a sensibilidade suficiente para acreditar na possibilidade de aquela malta de canalhas que devastaram as sedes dos três poderes no dia 8 de janeiro fizessem o que efetivamente fizeram. Tudo era e até hoje é muito inverossímil. Mas o improvável e o impossível um dia acontecem. Foi o que aconteceu. Mas daí a acreditar, como querem fazer crer os bolsonaristas boçais, na versão fantasiosa, oportunista e grosseiramente fake de que tudo teria sido armado pelo PT de Lula para por a conta nos bolsonaristas, ah, mas vai uma grande, uma enorme diferença.
Minha mãe se notabilizou junto à família e aos amigos pela ironia fina que exibia antes que o maldito Alzheimer aparecesse para devastar seu bom humor. Ela gostava de dizer, batendo suavemente a ponta de sua bengalinha no chão, quando uma sobrinha aparecia na casa dela pra se exibir com um vestido novo mas de beleza duvidosa: “- É… Se é pra dizer que é bonito, então… é bonito, né? Aliás, bonito não: é lindo! Lindo!”
Leia também
Pois bem. Se é para a gente acreditar que Bolsonaro só postou aquele vídeo incentivando as invasões por estar sob efeito de morfina, então a gente bate a bengalinha suavemente no chão e diz que… acredita, né?
Na mesma toada, se é pra acreditar que o vandalismo que resultou no maior ataque à democracia e aos três poderes da república naquele fatídico 8 de janeiro teria sido obra não de um bando de radicais alucinados da extrema direita, e sim de infiltrado petistas, versão que a oposição vai defender na CPMI dos atos golpistas (putz!, como se escrevia nos tempos do Pasquim), então… tá, né, fazer o quê? A gente acredita…
Se é pra gente acreditar que aqueles acampamentos ao lado do QG do Exército em Brasília e vários outros pontos do país eram manifestações pacíficas que nada tinham a ver com golpe nem com a contestação do resultado das eleições nem com a derrubada do estado democrático de direito, e que ali só estavam pessoas de bem que espontaneamente enfrentaram sol e chuva durante dois meses para defender o Brasil da ameaça comunista, então tá..… A gente bate a bengalinha no chão e… fazer o quê, né? Se é pra acreditar…
É claro que o desprendido Bolsonaro não queria ficar com aquele monte de jóias avaliadas em mais de 16 milhões de reais que recebeu de presente da Arábia Saudita – e, por um pequeno esquecimento, digamos assim, – ele não as declarou à Receita Federal, e tudo não passou de um mero mal-entendido, ne? Nada mais claro. Se é pra acreditar, então a gente acredita, né?
PublicidadeOlhando um pouco atrás, se é pra acreditar que Bolsonaro adquiriu 51 imóveis com dinheiro vivo porque prefere fazer negócios com grana em espécie… Não sei o leitor aí, mas eu e as torcidas do Flamengo, do Corinthians e a do meu River Atlético Clube, lá do Piauí, sabemos muito bem que ninguém sai de casa com uma mala cheia de dinheiro pra comprar um apartamento se pode fazer isso hoje com uma simples transferência bancária que é bem mais rápida e segura. A não ser que queira não deixar rastros e esconder a origem ilícita do dinheiro. Mas se é pra acreditar que foi uma operação totalmente limpa, então a gente bate de novo a bengalinha no chão e… acredita, né? Fazer o quê?
Se é pra acreditar que Bolsonaro é um patriota mesmo tendo sido expulso do Exército por ação terrorista e passou por nove partidos sem ter aprovado nenhum projeto e recebeu propina, digamos assim, legal – “mas qual partido nunca recebeu propina?”, como ele mesmo indagou, e que é um bom político e um trabalhador das causas do país – então tá, a gente acredita, né? Mesmo quando declarou que usou um apartamento funcional apenas pra “comer gente”, né?
Se é pra acreditar que Bolsonaro é “um homem de Deus”, mesmo defendendo a tortura e pregando o ódio, a eliminação de adversários e o uso indiscriminado de armas, então a gente deixa a bengalinha de lado e se arroja ao chão batendo no peito e gritando “mea culpa, mea culpa”… E acredita, né?
Se é pra acreditar que Bolsonaro nunca praticou o crime de nepotismo, mesmo tendo contratado pra trabalhar em seu gabinete de deputado um filho, uma ex-mulher, um ex-sogro e uma ex-cunhada, então tá tudo certo: a gente… acredita! Porque, como todo mundo sabe, família acima de tudo, né? Ele provou com isso que é o candidato da família. Família dele, mas família. Então a bengalinha faz tum-tum-tum no chão e tudo bem, não é mesmo?
Se é pra acreditar em Bolsonaro quando disse quem tomasse a vacina contra a Covid podia virar jacaré (não sei vocês, mas eu mesmo já vi com esses olhos que a terra há de comer mais de cem jacarés, todos com a carteira de vacinação em dia), então a gente acredita e até bate a bengala na cabeça dos jacarés, é ou não é? Aliás, o que tem de jacaré solto por aí nem dá pra contar! Muito mais do que no Pantanal, não é mesmo?
A propósito: se é pra acreditar que Bolsonaro nunca tomou a vacina contra a Covid, a gente acredita porque aquele homem só fala a verdade, não é mesmo?
Se é pra acreditar que Flávio Bolsonaro foi ao Catar não para assistir aos jogos da Copa e sim para levar um pendrive com vídeos sobre a situação do Brasil, mesmo podendo enviar esses vídeos com um clique no celular, então a gente bate de novo a bengalinha no chão e comenta, balançando suavemente a cabeça: – É… pendrives, né? Se é pra acreditar, a gente acredita, né?
Se é pra acreditar que as ongs estavam por trás do desmatamento da Amazônia com o único propósito de desmoralizar seu governo, como Bolsonaro falou, o jeito é acreditar, né? Aliás, essas ongs, sei não…
A sério, agora. Como ensinava Goebells, o ministro da propaganda de Hitler, uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Mas anda difícil tornar verdades as 6 mil mentiras ditas por Bolsonaro ao longo de seu desmandato. Agora, me dá essa bengala aí porque eu obedeço ao que Bolsonaro recomendou – “Eu quero todo mundo armado no Brasil”. Eu mesmo só ando armado com a bengalinha da minha mãe. Ela é ótima: serve para por em dúvida todas as fakes que esses cretinos tentam nos impingir. Fosse vocês arrumava uma bengalinha. Tem umas baratinhas pra vender por aí.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.