A Operação Circus Maximus (janeiro/19), que revelou esquemas de pagamento de propinas em vários investimentos financiados pelo banco público BRB – Banco de Brasília (a construção do antigo Hotel Trump, no Rio de Janeiro, e o complexo Praça Capital, desenvolvido pela Odebrecht Realizações e pela Brasal Incorporações), é mais um sintoma de um país doente, na UTI, que está sangrando a todo instante, porque aqui as elites selvagens do poder (econômico, financeiro, político e administrativo) implantaram um dos piores modelos de Estado e de concentração de renda de todo planeta. Muita coisa deve ser feita para que o paciente não entre em estado terminal.
Para além de autoritário, racista, familiarista, patriarcalista, extrativista e “cordialista”, a marca registrada do nosso atraso institucional reside claramente na “privatização” (no apoderamento, no sequestro) do Estado brasileiro por suas elites (mesquinhas e egoístas), que priorizam seus interesses em detrimento do bem-estar social.
Desde 1985 há esforços na criação de uma República mais democrática na política, capitalista e moderna na economia e mais igualitária no social. A Constituição de 1988 registrou essas demandas. Os avanços são precários, porque em todo momento submetem-se a retrocessos.
O mundo avança e retrocede, mas se escolariza de forma mais efetiva e inova com velocidade incalculável no campo da tecnosfera (esfera infinita da tecnologia, da revolução da internet, da inteligência artificial, da robotização, do controle estratégico dos recursos naturais e por aí vai). Em suma, ciência com valor agregado. Projeto de nação, não de governo.
O Estado brasileiro, moldado por mãos e interesses espúrios, que roubam tudo que podem, em contrapartida, mantém-se estagnado, indiferente a tudo e a todas as reivindicações modernizantes e legítimas do mercado interno e internacional (que não faz parte das elites dirigentes), da indústria, do comércio, dos agrupamentos organizados e até mesmo dos desorganizados, dos excluídos e dos abandonados, cujas necessidades básicas estão longe de qualquer humanidade.
O modelo de civilização aqui reinante, fundado no esquema expropriatório, de saqueamento contínuo e roubalheira generalizada, só atende os interesses das elites selvagens do poder, agora consorciadas com o financismo global.
Sérgio Buarque de Holanda já nos falava dessas relações cordiais entre público e privado, desde 1936, quando lançou Raízes do Brasil. Raimundo Faoro, outro entusiasta de Max Weber, assim como Sérgio Buarque, valia-se da ideia de estamento burocrático ou estado patrimonial (ver Os donos do poder, 1958).
Em suma, o que ambos queriam dizer, de maneira direta, é que essas relações de apropriação indecente do Estado por certas elites (empresarial, financeira e político-familiar) são, entre nós, um grave entrave para o desenvolvimento econômico, para a modernização e criação de uma sociedade civil autônoma e civilizada, que poderia nos levar a um patamar mais elevado no concerto das nações.
No momento em que o esquema BRB foi desvendado, houve quem dissesse que o melhor seria “privatizá-lo”. Como privatizar aquilo que já está nas mãos das elites que saqueiam o dinheiro público cotidianamente? No Brasil, todo o Estado, seus bancos, sua justiça, seus presídios, suas licitações, seus ministérios, sua imprensa, tudo já foi ou está sendo “privatizado” por grupos mafiosos do poder.
O BRB, apesar da maior crise da história do país, faz parte do setor da economia que mais lucrou nos últimos anos. Alguns poucos bancos somados, por exemplo, tiveram um lucro líquido superior aos R$ 70 bilhões. Um outro, sozinho, teve perdoado pelo governo Temer em 2017, dívidas fiscais que ultrapassavam a casa dos R$ 25 bilhões.
O problema, muitas vezes, não está no banco em si, sim, na histórica lógica da rapinagem, no loteamento de cargos de direção, justamente para favorecer setores específicos da economia ou amigos empreendedores de plantão. O problema é nossa meritocracia macunaímica, que é fruto das relações familiares ou partidárias, que sempre confundem a coisa pública com a particular.
Num país de juros obscenos e de gente pobre, desempregada e endividada, de indústria e comércio decadentes porque não suportam pagar tais juros, os bancos públicos, quando bem administrados, têm um papel um pouco menos cruel na cobrança de juros por empréstimos, por exemplo, além de terem por norma, o pagamento de programas sociais, o financiamento de habitação, da produção ou os créditos agrícola e estudantil.
Como bem coloca o economista Ladislau Dawbor, “não é a falta de recursos financeiros que gera as dificuldades atuais, mas a sua apropriação por corporações financeiras que os usam para especular em vez de investir. O sistema financeiro passou a usar e drenar o sistema produtivo, em vez de dinamizá-lo” (ver A era do capital improdutivo, 2017).
Nas operações de combate à corrupção, o foco deve ser os delinquentes, não as instituições, salvo naquilo que elas se locupletaram também. Há sempre o risco de atravancar setores importantes da economia, contribuindo com a recessão.
No caso do BRB, as investigações levaram a 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília a aceitar as denúncias da força tarefa Greenfield contra 17 pessoas. Em seu despacho, o juiz afirmou que está demonstrada até agora a plausibilidade das alegações contidas na denúncia em fase da circunstanciada exposição dos fatos tidos por criminosos e as descrições de condutas em correspondência aos elementos que instruem a denúncia”.
As investigações apontaram um desvio de cerca de R$ 348 milhões, levando ao prejuízo, além do próprio banco público, seus investidores de fundos de pensão, poupadores em geral e o sistema financeiro nacional. Dinheiro que poderia circular no fomento à produção e geração de emprego e renda.
Com a decisão do juiz, se tornaram réus no caso: Adonis Assumpção Pereira Júnior, Adriana Fernandes Cuoco, Arthur César Soares Filho, Dilton Castro Barbosa, Diogo Rodrigues Cuoco, Felipe Bedran Calil, Henrique Domingues Neto, Henrique Leite Domingues, Nathana Martins Bedran Calil, Niban de Melo Júnior, Paul Elie Altit, Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Paulo Ricardo Baqueiro de Melo, Ricardo Luís Peixoto Leal, Ricardo Siqueira Rodrigues e Vasco Cunha Gonçalves.