O projeto de lei que corre no Congresso Nacional sobre a reforma da Lei de Improbidade Administrativa pode comprometer o pleno funcionamento da Lei de Acesso à Informação (LAI), alerta o cientista político Manoel Galdino. De acordo com o especialista, a proposta cria mecanismos para que servidores públicos fiquem desobrigados de responder os requerimentos exigidos por meio da lei.
A LAI é o mecanismo legal que deu origem ao Portal da Transparência, meio digital onde informações públicas podem ser obtidas diretamente com as corregedorias dos respectivos órgãos. Na atual legislação, as respostas são obrigatórias, e servidores que não respondem aos requerimentos podem responder processo disciplinar. Um novo mecanismo no Projeto de Lei n° 2505/2021, que altera a atual Lei de Improbidade Administrativa, pode comprometer a ferramenta.
A mudança que Galdino alerta é a exigência em processos administrativos da comprovação do chamado dolo específico: a realização voluntária de uma conduta ilícita com o intuito de obter benefícios ilícitos. Com isso, grande parte dos requerimentos não respondidos por meio da LAI passam a sair impunes por não caracterizar tentativa de ganho próprio.
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“É muito raro que alguém deixe de responder porque recebeu propina ou algo do tipo. No geral são ações culposas, quando não querem prestar contas por falta de vontade de fiscalização ou por negligência na gestão pública. Essas situações, na nova lei, deixam de ser improbidade administrativa. O poder público vai poder deixar de ser transparente e não vai responder por isso”, explica.
Colcha de retalhos
Manoel Galdino conta que a proposta de mudança na Lei de Improbidade Administrativa veio de uma comissão de juristas buscando atender uma demanda do setor pela modernização da lei. Uma vez apresentada na Câmara, o cientista político afirma que as mudanças comprometeram o objetivo da reforma. “Infelizmente, parte dos parlamentares aproveitaram essa demanda para introduzir uma série de retrocessos que vão gerar uma série de impunidades que vão dificultar o combate ao mau uso da coisa pública no Brasil”,
De acordo com ele, nem todas as reformas no projeto são negativas: a nova legislação prevê acordos entre Ministério Público e réus para dar celeridade aos processos administrativos, reduz o excesso de punições por erros de pouco impacto prático, aumenta a atuação do Ministério Público nesses processos, cria meios de punir procuradores que propositalmente abusam de suas prerrogativas no processo e reforça o combate ao nepotismo na administração pública.
Por outro lado, além de comprometer a plena aplicação da LAI, Galdino teme que outras formas de impunidade sejam permitidas em lei. Um dos pontos considerados como um dos mais problemáticos diz respeito aos requisitos para assumir função na administração pública. Pela nova lei, pessoas que perderam o cargo público por condenação em improbidade ficam proibidas apenas de assumir cargo equivalente. “Isso cria precedente para que, por exemplo, um secretário da educação consiga desviar dinheiro da merenda escolar e depois permaneça elegível para prefeito ou governador”, alerta.
A nova lei também desobriga partidos políticos de responderem via LAI pelo mau uso de recursos públicos oriundos dos fundos partidário e eleitoral. O mesmo não se aplica a outros órgãos de natureza privada mantidos com verba pública, como as Organizações Não-Governamentais.
Votação
A reforma já foi aprovada na Câmara dos Deputados e já foi revisada no Senado Federal, restando apenas a última votação, novamente na Câmara antes de ser enviada ao Planalto. Apesar de ainda não haver data oficial para acontecer, a previsão é que o texto final seja votado em plenário até a quinta-feira (07).
Galdino alerta que, se aprovada, a nova lei poderá comprometer o combate à corrupção como um todo no Brasil. “A Lei de Improbidade Administrativa combate a corrupção no seu sentido amplo, de desvirtuar o interesse público. Serve para situações como quando o administrador público usar uma obra para fazer propaganda da sua eleição ou quando não faz a licitação do jeito correto e assim acarreta dano ao patrimônio público”, explica.
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