Raimundo Caramuru Barros*
Ao acompanhar os trabalhos do Poder Legislativo Nacional tem-se a nítida
impressão de que hoje ronda nos corredores do Congresso um fantasma que vem
amedrontando um número considerável de parlamentares, embora nenhum deles admita
ter medo dessa assombração. Concordam, porém, com a veracidade de sua existência
e da ameaça que este fantasma representa para “os seus interesses” caso livre-se
de sua condição de fantasma virtual para adquirir foros de cidadania real e
legal.
Nem todos os membros do Parlamento Nacional comungam com o ponto de vista de
muitos dos seus pares com respeito à periculosidade desta fantasmagórica figura,
mas por solidariedade corporativista ou, numa expressão mais pedante, por
“esprit de corps” concordaram em tomar uma atitude colegiada para se
desembaraçar desta ameaça que paira, qual espada de Dâmocles, sobre a cabeça de
membros do Congresso Nacional.
A primeira medida já foi tomada. O fantasma
foi engavetado, ou em palavras mais diretas e explícitas, foi trancafiado em uma
gaveta. Entrementes, vai se ganhando tempo para decidir sobre seu destino final:
conceder-lhe a graça da vida transformando-o em lei, mas operá-lo previamente
para tirar de seu cérebro toda capacidade de discernimento; ou então tirar-lhe a
vida, não permitindo que atinja a maioridade de lei, mumificando-o perpetuamente
na memória histórica do Congresso Nacional.
Ao cidadão comum ocorre uma questão. Este fantasma não parece tão hediondo.
Ele apenas defende uma tese que pode contribuir para elevar o nível ético e a
força moral do Parlamento brasileiro e de todo Sistema político do país: impedir
que pessoas condenadas pelos tribunais competentes por malversação de recursos
públicos e/ou por crimes eleitorais tenham acesso a cargos eletivos. No caso,
por exemplo, do Congresso Nacional, é inconcebível que entre os principais
responsáveis pela elaboração das leis, que pautam a vida e a atuação de todos os
cidadãos e cidadãs, encontrem-se criminosos, que já foram devidamente julgados e
condenados por tribunais de primeira instância, e em seguida por tribunais
colegiados.
O projeto de lei “Ficha Limpa” tem apenas este objetivo óbvio. Outros
projetos análogos ainda deverão vir, para que a política brasileira seja
conduzida por cidadãos e cidadãs de caráter ilibado, que busquem tão e somente
os interesses maiores da nação. Parafraseando a expressão de Cícero, o grande
orador romano, pode-se interpelar os membros do Congresso Nacional: “Vejam que
suas decisões e medidas não acarretem maiores prejuízos à Republica (Coisa
Pública)”. As tergiversações e manobras protelatórias que ameaçam atualmente o
projeto de lei “Ficha Limpa” não honram a dignidade do Congresso, pois
constituem mais um desserviço prestado ao interesse público do País.
* Filósofo e teólogo, com mestrado em Economia nos EUA, foi
consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e atuou como
especialista nas áreas de transportes, trânsito e meio ambiente, dedicando-se em
seguida à assessoria de diversas organizações não-governamentais. É autor de
Desenvolvimento da Amazônia – como construir uma civilização da vida e a serviço
dos seres vivos nessa região (Editora Paulus, 2009), entre vários outros
livros