O recente episódio do retorno à Câmara dos Deputados do projeto de lei das 10 medidas contra a corrupção, determinado pelo Supremo Tribunal Federal, suscita uma reflexão sobre o estágio da nossa democracia representativa e sobre as dificuldades que ela enfrenta no seu processo de amadurecimento, algumas das quais inaceitáveis. E nem falo, aqui, por ora, das profundas alterações realizadas no texto original, que o desfiguraram.
![ficha limpa_apoio_2009_agencia brasil](https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2012/10/ficha-limpa_apoio_2009_agencia-brasil.jpg)
Lei da Ficha Limpa chegou ao Congresso com mais de 1,5 milhão de assinaturas de apoio
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No entanto, como a Câmara não contava com estrutura para conferir as assinaturas, um grupo de deputados “adotou” a proposta e apresentou um projeto de lei com o mesmo conteúdo, o qual passou a tramitar.
O que seria uma medida para dar curso à tramitação acabou resultando, portanto, na apropriação da iniciativa do povo, cujo esforço cidadão restou reduzido, no plano formal, a dois parágrafos na justificação do projeto que ora tramita com subscrição parlamentar. A apropriação, aliás, já ocorrera com outros projetos, entre os quais o da Ficha Limpa. Verdadeira apropriação indébita.
Mais uma vez, portanto, o Parlamento desperdiçou uma oportunidade de demonstrar estima verdadeira pela participação política do povo brasileiro.
Então, depois da coleta das assinaturas em favor das 10 medidas, continua imprescindível o engajamento da cidadania, agora perante o Congresso Nacional, para que, ao fim, possamos alcançar uma lei tão significativa para o aprimoramento da nossa política como foi a Ficha Limpa. Afinal, não há dúvida de que é essa a vontade popular, mas, pelo que se viu até aqui, não será fácil concretizá-la.
Para além disso, convém que seja uma lei da qual a marca da origem nobre, a legítima iniciativa do povo, não seja suprimida no processo legislativo formal. Ainda é tempo. Fará bem ao nosso processo civilizatório político que os representantes, desta vez, aproveitem a oportunidade de demonstrar estima verdadeira pelos representados e prestigiem a iniciativa popular. Adoção legislativa à brasileira, que seja das medidas para combater a cultura da corrupção, conforme proposto por mais de dois milhões de cidadãos.