Renata Camargo
No auge da megalomania, quando o dinheiro da propina estava devidamente acondicionado nas meias e cuecas de seus beneficiários, e a sociedade de nada desconfiava, chegou-se a falar em Paul Mccartney e em Madonna. Há algumas semanas, diante do escândalo do mensalão do governador José Roberto Arruda, o rei Roberto Carlos mandou seu empresário gentilmente recusar o convite para cantar na festa dos 50 anos de Brasília, no dia 21 de abril. Informou que seria muito “delicado” vincular-se agora a um governo mais do que suspeito de corrupção.
E, assim, com o governador encarcerado numa sala da Polícia Federal e a cidade administrada por um vice-governador atarantado, sob o risco concreto de uma intervenção federal, Brasília vai chegando próxima da festa do seu cinqüentenário com a perspectiva de ver a comemoração se transformar num completo e absoluto fiasco. Nem Mccartney, nem Madonna, nem Roberto Carlos. Até agora, só estariam confirmados shows das bandas Capital Inicial e Chiclete com Banana (que, na primeira eleição presidencial, animava os comícios do ex-presidente Fernando Collor).
Mas para celebrar com louvores o aniversário da capital federal, artistas de Brasília articulam-se para promover uma festa paralela às comemorações oficiais. O maestro brasiliense Renio Quintas comanda o movimento dos artistas locais. Ele avisa que “depois do carnaval, a jiripoca vai piar” na capital federal. Mesmo com a posição da Justiça de endurecer e pedir a prisão preventiva do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido), os artistas locais estão dispostos a manter uma espécie de boicote às comemorações oficiais dos 50 anos de Brasília.
“Nada muda, porque o Paulo Octávio a gente considera farinha do mesmo saco. O Paulo Octávio é o mais truculento perseguidor da cultura no Distrito Federal”, justificou o maestro Renio Quintas se referindo ao vice-governador do DF, Paulo Octávio.
Outros 50 anos
O Movimento Brasília outros 50 anos – Eu Acredito foi criado após a deflagração dos escândalos do mensalão do Arruda. A ideia é unir artistas dispostos a comemorar o aniversário da capital federal sem nenhuma relação profissional e artística com a atual gestão do governo do Distrito Federal. Quintas prefere não falar em boicote. O maestro afirma que a intenção não é transformar o aniversário da cidade em um “Fla-Flu”, em que artistas são contra ou a favor do governo local.
“Não é um boicote à festa oficial. Não vamos fazer esse jogo do contra. Nós somos a favor da arte, da cultura, da beleza. Queremos outros 50 anos para Brasília. Queremos tirar esse estigma de cidade corrupta”, diz.
Segundo Quintas, os artistas querem promover uma festa popular no dia 21 de abril, com a participação de artistas locais e nacionais. O movimento ganhou forças recentemente com a posição do cantor Roberto Carlos, que recusou o convite do governo do DF para fazer show nos 50 anos de Brasília. O empresário do “Rei” disse que “seria delicado” aceitar o convite no momento em que se investiga denúncias de corrupção contra o governador e que Roberto Carlos não gostaria de ser chamado para depor em CPI caso fosse necessário.
“Meu coração bateu muito forte em saber que um cidadão dessa altitude teve a clarividência de verificar que é incompatível com a beleza dessa cidade toda essa sujeira em Brasília. Nosso rei é nossa majestade e quero convidá-lo para participar da nossa festa”, brinca o maestro.
Segundo a assessoria de imprensa da BrasíliaTur, responsável pelo calendário oficial de comemorações dos 50 anos, estão confirmados para participar da festa oficial as bandas Chiclete com Banana e Capital Inicial. Também está sendo negociada a vinda da dupla sertaneja Bruno & Marrone, no lugar da dupla Victor & Leo que, segundo a assessoria, não virá em função de realizar um show dias antes em Brasília.
Desistência
Os artistas estão se mobilizando, especialmente através do blog Brasília: Outros 50 anos – Eu Acredito Uma Festa do Povo de Brasília e do Fórum de Cultura do Distrito Federal. Alguns artistas têm retirado o patrocínio de projetos já aprovados pelo governo local. É o caso do projeto Bem Te Vi Brasília 50 anos, coordenado pela cineasta Tania Quaresma.
O projeto havia sido contemplado com R$ 500 mil para realizar uma exposição multimídia no Museu da República durantes as comemorações. O recurso também atenderia aos custos de um longa-metragem sobre a história da capital e programas de TV sobre a cidade a serem veiculados na TV Brasil.
“Não nos sentimos confortáveis, então abrimos mão desse dinheiro. A gente trabalha com movimentos populares, com cidadania, com a questão da honestidade e outros valores, como a gente poderia aceitar? É a mesma coisa que fazer uma campanha de saúde com o patrocínio de uma marca de cigarros. Não combina. A gente ficou muito aliviado”, disse a cineasta.
Segundo Tania Quaresma, as propostas artísticas serão mantidas e a equipe está buscando novos patrocínios e apoios. A cineasta conta que o seu telefone não para de tocar e que tem recebido várias propostas de ajuda para finalizar o material. “Vamos fazer com o que a gente conseguir. O melhor é se juntar com pessoas que conjugam com os mesmos valores. Não estava combinando”, afirma.
Ressentimento
Antes mesmo de estourar o escândalo do mensalão, já era desgastada a relação do GDF com os artistas de Brasília. Segundo o maestro Renio Quintas, nas comemorações do aniversário de Brasília no ano passado, artistas locais foram excluídos do palco principal, localizado no gramado da Esplanada dos Ministérios. O ocorrido levou à realização de passeatas e protestos que culminaram em uma audiência com o vice-governador Paulo Octávio.
“Colocamos toda nossa indignação, ele disse ‘eu aceito a bronca, mas vocês estarão nos 50 anos’. Ele disse que queriam três nomes para participar da comissão organizadora da festa e nós apresentamos”, conta Quintas. “Mas fomos complemente descartados em todas as decisões. Só tomávamos conhecimento das decisões pelos jornais e, então, solicitamos o nosso afastamento por volta de julho do ano passado”.
Segundo Quintas, a partir da saída dos membros da comissão, os artistas locais começaram a se movimentar para realizar uma festa popular sem apoio do governo local. “A gente não sabe a origem desses recursos, não sabe quem são esses empresários que vão apoiar com dinheiro público. Não sabemos da onde vem esse dinheiro, se da Linknet, da corrupção, da cueca, da meia de alguém”, disse Quintas.
O formato da festa popular que está sendo organizada por artistas locais ainda está sendo definido. Segundo Tania, todas as artes – entre música, dança, pintura, escultura, cinema e outras – serão contempladas. O local também não está definido.
Leia também:
Tudo sobre a Operação Caixa de Pandora e o mensalão do Arruda
Impeachment já para Arruda e Paulo Octávio!
Deixe um comentário