Eduardo Militão e Rodolfo Torres
Antes mesmo de ser aprovado, o projeto ficha limpa já fez uma primeira vítima. No Paraná, o deputado Jocelito Canto, do PTB, anunciou que sairá da vida política por conta do projeto. Com mais de 30 ações na Jutiça e algumas condenações em primeira instância, Jocelito resolveu desistir na mesma noite em que o texto-base do projeto foi aprovado pela Câmara, esta semana. Ainda é cedo para saber que outros efeitos além desse o projeto provocará. O texto é um grande avanço sobre a legislação que existe hoje, que faz com que políticos raramente sejam condenados (o Supremo Tribunal Federal nunca condenou um político sequer). Mas ressalvas à proposta original foram negociadas durante a tramitação do projeto, o que torna mais complexo analisar todo o seu alcance.
Para entender como o projeto funcionará na prática, o Congresso em Foco analisou sete casos de políticos processados. Dentre esses sete conhecidos personagens que respondem a processo, um já estaria na mira do ficha limpa, o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf (PP-SP).
Isentos estariam os deputados Jader Barbalho (PMDB-PA), Neudo Campos (PP-RR) e Luiza Erundina (PSB-SP), os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Valdir Raupp (PMDB-RO) e o ex-governador Joaquim Roriz (PSC-DF). São casos diferentes, de políticos mais e menos enrolados coma Justiça. Mas a explicação geral é que eles ou não tiveram seus processos julgados por órgão judiciais colegiados ou foram condenados em casos que não se aplicam às restrições previstas no projeto. Decisões de primeira instância não podem barrar candidaturas.
Paulo Maluf tem pelo menos quatro condenações judiciais decididas por órgãos colegiados – como turmas e câmaras de desembargadores e ministros – segundo apurou o Congresso em Foco. Mas só uma poderia considerá-lo um “ficha suja”.
No final do mês passado, a 7ª Câmara de Direito Público condenou Maluf a devolver aos cofres públicos o valor gasto com uma compra de frangos congelados supostamente superfaturada. As aves serviram para compor a merenda escolar das rede municipal de ensino. O deputado foi condenado ainda a perder os direitos políticos, o que já o impediria de concorrer nas próximas eleições.
Na ação de improbidade administrativa, o Ministério Público diz que houve favorecimento de empresa, uma delas de Sylvia Maluf, mulher do hoje deputado. A assessoria de Maluf negou as acusações e disse que recorreria da condenação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Outras três sentenças não causariam problemas para o deputado. Em 2003, o STJ condenou o ex-prefeito a devolver R$ 1,2 milhão por contratar sem licitação a TV Globo para transmitir a Maratona de São Paulo realizada em 1995. Como se trata de uma ação popular, isso não valeria para barrar a candidatura de Maluf caso a lei da ficha limpa estivesse em vigor. Não valeriam a condenação de janeiro de 2010 – movida por uma ação popular no STJ, ela determina que Maluf devolva US$ 250 mil pelos contratos de pesquisa de petróleo na bacia do Rio Paraná – e a de novembro de 2009 – na qual a primeira instância da Justiça Paulista determinou que o deputado ficasse com os direitos políticos suspensos e pagasse R$ 14,7 milhões por serviços supostamente não realizados no túnel Ayrton Senna.
Em todos os casos os advogados de Maluf recorreram das sentenças. E a assessoria do deputado negou as acusações, dizendo, por exemplo, que o ex-prefeito jamais assinou documentos referentes à obra do túnel.
Efeito suspensivo
Mesmo com a condenação pelo superfaturamento dos frangos válida para barrar sua candidatura, Maluf ainda teria chance de conseguir ser candidato. Exatamente por recorrer da sentença, os defensores do deputado poderiam solicitar à Justiça Eleitoral uma suspensão da inelegibilidade até o julgamento do recurso.
Essa foi a condição imposta por deputados contrários ao projeto do ficha limpa que permitiu a aprovação do texto-base na madrugada de quarta-feira passada (5). Pelo texto do relator José Eduardo Cardozo (PT-SP), porém, esse efeito suspensivo obriga o tribunal a dar prioridade ao processo e julgá-lo antes da eleição. Se a condenação for mantida, o deputado fica inelegível.
Isentos
Apesar de responder a seis ações penais e a três inquéritos policiais apenas no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo levantamento do Congresso em Foco, o deputado e ex-governador do Pará Jader Barbalho (PMDB) não seria barrado como político ficha suja. Seus processos não foram julgados – e, portanto, ele não foi condenado. As acusações são diversas, como estelionato, formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro.
O ex-governador de Roraima e deputado Neudo Campos (PP) está em situação semelhante. Ele tem 11 ações penais e dez inquéritos no STF. Mas nenhum foi julgado. Na Justiça estadual, Neudo foi condenado por improbidade administrativa pela 2ª Vara Cível de Boa Vista em setembro de 2009 por contratar servidores de forma irregular, mas a decisão é de primeira instância e não pode barrar uma candidatura.
O deputado já declarou ao Congresso em Foco ser perseguido por um juiz do estado e afirmou ainda que todos os processos derivam da “Operação Gafanhoto”, na qual ele se julga inocente. Os assessores de Neudo afirmam que as acusações serão derrubadas na Justiça.
Situação semelhante, em termos judiciais, é a do senador e ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque (PDT). Ele foi condenado em abril de 2009 porque, em 1995, mandou confeccionar o CD-ROM “Brasília de todos nós, um ano de Governo Democrático e Popular do DF”, no qual fez suposta promoção pessoal.
A assessoria de Cristovam informou que ele recorreu da decisão e que a condenação é fruto de perseguição política do ex-senador Luiz Estevam (PMDB-DF). O próprio Estevam tentou processá-lo pelo mesmo motivo, sem sucesso. A ação, então, acabou movida por outra pessoa.
Cassação
O senador e ex-governador de Rondônia Valdir Raupp (PMDB) responde a duas ações penais e dois inquéritos por peculato, crime contra o sistema financeiro e contra a administração pública. Os casos não foram julgados pelo Supremo. Em nota, Raupp diz que os processos se originaram de denúncias “sem fundamento” feitas pela oposição e destacou que, em uma das ações, o Ministério Público pediu a absolvição do ex-governador.
Condenada a pagar R$ 350 mil por bancar um informe publicitário da prefeitura de São Paulo apoiando uma greve, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) não precisaria se preocupar com a lei do ficha limpa. Isso porque a sentença é fruto de uma ação popular. Amigos de Erundina promovem eventos para arrecadar o dinheiro e pagar a dívida. Em entrevista à revista Veja, a deputada disse que é condenada por apoiar trabalhadores e questionou porque políticos como Maluf não passam pela mesma situação dela.
Partilha e bezerra
A primeira leitura do texto do projeto ficha limpa faria crer que o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) estaria também inelegível. O projeto prevê que parlamentar que renuncie de seu mandato para evitar cassação fique inelegível na eleição seguinte. Roriz renunciou de seu mandato de senador para evitar uma eventual cassação de mandato, ao ser acusado de participar de uma partilha de dinheiro investigada pela Operação Aquarela, que apurava desvios no Banco de Brasília. Roriz negou as acusações e disse que tratava da negociação de uma bezerra com o amigo e empresário Nenê Constantino. Mas, diante da desconfiança de que o Senado talvez não viesse a acreditar na sua explicação, acabou renunciando.
As regras do ficha limpa preveem a inelegibilidade de candidatos nessa situação. Mas, segundo José Eduardo Cardozo (PT-SP), há uma diferença quanto a esse ponto do projeto. Enquanto as condenações na Justiça já passariam a contar para as próximas eleições caso o projeto seja aprovado sancionado a tempo, os casos de renúncia não retroagem. “Isso só valerá daqui para a frente”, explica Cardozo.
O QUE DIZ O PROJETO FICHA LIMPA
1. Estão proibidos de disputar as eleições os candidatos que:
— Cometeram os crimes de:
a. Improbidade administrativa intencional (ou dolosa, na linguagem jurídica); ou
b. crimes com alto poder ofensivo (pena superior a dois anos de cadeia); ou
c. compra de votos ou abuso de poder político; ou
d. renunciaram ao mandato para evitar eventuais cassações
— Foram condenados por órgão colegiado Judicial, como, por exemplo:
a. turmas e câmaras dos tribunais estaduais ou dos tribunais regionais federais
b. Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça
2. Se o político for condenado por órgão colegiado, estará barrado, mas poderá recorrer da sentença. Com essa medida, poderá solicitar à Justiça Eleitoral a suspensão da inelegibilidade até o julgamento do recurso. Caberá à Justiça atender ou não ao pedido.
3. No caso de renúncia ao mandato para evitar cassações, a medida só vale para os fatos posteriores à publicação da lei.
Fonte: Texto-base aprovado na Câmara e deputados José Eduardo Cardozo (PT-SP) e Índio da Costa (DEM-RJ)
Matéria atualizada no dia 7 de maio às 11h15
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