A presidente Dilma Rousseff inspira, entre analistas e intelectuais, comparações espantosamente contrastantes quanto ao papel que pode vir a desempenhar nos três últimos anos de mandato. Há quem a veja como embrião de um novo Itamar Franco: ridicularizada, atrapalhada na comunicação com a sociedade, mas honesta e com potencial para liderar uma coalizão ampla que dê rumo a uma nação sem melhores opções à mão, nas atuais circunstâncias.
No outro extremo, sua trajetória é equiparada à do ex-presidente Fernando Collor, menos pelas características pessoais e mais por aquilo que seria uma marca da sua atuação no cargo – a incompetência – e pelo seu possível destino, o afastamento do poder pela via do impeachment. Alguns enxergam em Dilma a reencarnação daquele Sarney do final de governo: impopular e incapaz de responder aos desafios nacionais (um, cultivando a bola de neve da hiperinflação; a outra, a reboque da trágica combinação de inflação, desemprego e recessão).
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E tem quem a tome, para o bem ou para o mal, como uma espécie de Lula 2, ora a depositária das esperanças em uma e ciente administração com perfil de esquerda, ora a coveira do PT, sepultado a golpes de populismo, inépcia e cumplicidade com a corrupção. Visões tão distintas espelham as incertezas em relação ao que nos podem trazer os próximos meses. Todas elas ignoram que Dilma é Dilma, sendo um grave erro confundi-la com qualquer um de seus antecessores.Leia também
A encruzilhada em que nos encontramos é absolutamente única, o que desautoriza supor que a história poderia agora se repetir. Fato: Dilma alcançou, nas últimas semanas de 2015 e neste início de 2016, um fôlego que lhe faltou durante boa parte do ano passado. Mas o horizonte continua sombrio e cheio de riscos, para ela e para o Brasil. Ou, como resume o cientista político Paulo Kramer: “O impeachment subiu no telhado, mas não pode ainda ser descartado. É preciso avaliar a evolução de duas variáveis que nenhum político pode controlar, as novas descobertas da Operação Lava Jato e os efeitos da crise econômica sobre o cotidiano das pessoas”.
No caso da Lava Jato e de outras operações da Polícia Federal, como a Zelotes, preveem-se novos petardos contra algumas das figuras mais poderosas da República, contribuindo para manter o país na inércia. Sobretudo se o senador e ex-líder do governo Delcídio do Amaral (PT-MS), preso por tentar subornar um dos delatores do petrolão, formalizar delação premiada, como é provável. Ao mesmo tempo, prejudicada por erros internos e pela baixa credibilidade de Dilma e sua equipe, a economia brasileira deve encolher mais de 6% no biênio 2015/2016, percentual próximo ao índice de crescimento médio global estimado para o mesmo período. Fatores externos tendem, porém, a exercer influência negativa cada vez maior sobre o país.
Não bastasse a redução dos preços das commodities, aumentam os temores com a desaceleração chinesa e com as consequências da queda brutal das cotações de petróleo, que pode abalar empresas e nações pelo mundo afora. Tão grave é a situação que a torcida por Dilma, para evitar o pior, inclui muitos dos seus adversários. “Se o governo der o sinal certo, a recuperação começa”, disse em janeiro à revista Época Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e coordenador do programa econômico do senador Aécio Neves (PSDB-MG) na disputa presidencial de 2014. Para isso ocorrer, Dilma precisa apresentar um plano crível de equilíbrio das contas públicas, implacavelmente maltratadas no seu primeiro mandato. O problema é que o PT resiste à ideia, o que nos deixa em situação análoga à descrita por Samuel Beckett na célebre peça Esperando Godot. Seguimos à espera de algo que não sabemos bem o que é nem se um dia vai chegar.
* Texto publicado originalmente na edição 21 da Revista Congresso em Foco.
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