Este artigo trata de maneira objetiva o “mistério” dos Gripen’s suecos, mas isso não significa justificar a compra e venda de material militar, qualquer que seja a honestidade dos envolvidos, os pretextos “defensivos” para a operação, e a situação, de paz ou de guerra, que vivam os países. Até os crimes mais aberrantes e massivos empalidecem comparados com a violência dos exércitos, sejam democráticos, fascistas ou comunistas.
Zelotes, uma introdução
Os Zelotes, do grego zelootées, equivalente ao hebraico kanahim, formavam uma seita hebraica dissidente do século I. Em grego clássico, significava admirador, seguidor, aquele que tem zelo por uma causa. Em hebraico passou a significar aquele que zela pela glória de Deus. No grego do Novo Testamento, especialmente em Atos dos Apóstolos e Gálatas, foi usada para indicar aquele que zelava pelo verdadeiro Deus.
Alguns historiadores afirmam que os zelotes formaram o grupo original de judeus que fundou o Cristianismo. Judas, o criador da seita no ano 6, era da Galileia, berço do Cristianismo. O apóstolo Simão era um zelote (Lucas, 6 13-15), e há uma polêmica sobre a possível identidade de Paulo de Tarso, que usa essa palavra várias vezes. Mas, a pesquisa sobre este assunto não foi prosseguida em Ocidente.
Leia também
No Talmud (Gittin, 56b) e em outros textos judeus oficiais os zelotes são chamados Biryionim, que têm vários significados: assassinos, militaristas, sicários, fanáticos e cruéis. Flávio Josefo (37-100), o mais antigo historiador judeu, acusa os Zelotes de ter impedido aos judeus a paz com Roma, e ter aumentado a ira dos romanos com seu excesso de truculência. Segundo ele, isso teria produzido a derrota judia.
As operações da PF brasileira são famosas por seus nomes imaginativos e cultos, mas esta deve ser a melhor escolha já feita para qualificar suas atividades.
PublicidadeLula e o “Suecolão”
No final do ano passado, os membros do ministério público federal brasileiro que cuidam da operação Zelotes, denunciaram o ex-presidente Lula como culpável de tráfico de influência na compra dos aviões suecos F-39-Grip. A denúncia foi aceita de maneira íntegra e imediata pelos infalíveis juízes.
Em março de 2017, um dos “acusados” de cumplicidade com Lula, o primeiro ministro da Suécia, rejeitou a imputação. Esta é uma história real, embora não pareça.
Segundo a mídia, os procuradores teriam “provas” de que Lula e outras pessoas “tramaram” em 2013 encontrar-se com o chefe do Partido Social Democrata Sueco, que é o atual premiê Stephan Lötven.
Leia reportagem sobre declaração do primeiro-ministro
Isto teria acontecido durante o funeral de Nelson Mandela na África do Sul. A notícia foi difundida por todos os órgãos da mídia, por exemplo, o jornal O Estado de S. Paulo. Os seguintes são os fragmentos principais do texto, onde todos os grifos são da minha autoria.
“A ação penal também faz referência a uma intensa troca de e-mails entre funcionários da M&M e do instituto Lula, com o objetivo de viabilizar um encontro entre lula e o líder do Partido Sindical Democrata [deveria dizer “social democrata”] e futuro primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven [Löfven]. Documentos apreendidos na sede do Instituto Lula, em São Paulo, revelaram ainda a INTENÇÃO do político sueco, que defendia a escolha do modelo fabricado pela SAAB, de se reunir com o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff na África do Sul, por ocasião do funeral de Nelson Mandela.
Em 9 de dezembro de 2013 Lula e Dilma viajaram até o país africano com o objetivo de acompanhar a cerimônia fúnebre e, exatamente nove dias depois, em 18 de dezembro, o governo brasileiro anunciou a decisão de comprar de caças do modelo GRIPPEN [deve dizer Gripen]”
Leia reportagem sobre denúncia contra Lula
Observe que os promotores não têm apenas suspeitas, mas se proclamam conhecedores das intenções do ministro. A notícia, porém, ganhou novos detalhes na imprensa sueca.
Vejamos um jornal muito conhecido, o Dagens Nyheter, chamado DN pelos leitores. (Literalmente significa Notícias de Hoje, ou seja, Últimas Notícias.) É relevante mencionar que este jornal e também o Svenska Dagbladet (Cotidiano Sueco ou Folha Diária Sueca) ambos de direita, se haviam recusado, durante um tempo, a publicar matéria paga do partido Social Democrata. A discriminação foi abolida pelos mesmos jornais por causa da indignação dos defensores da liberdade de imprensa. Então, é difícil acreditar que as notícias do DN possam sofrer de algum desvio em favor do Primeiro Ministro.
A longa matéria sobre o caso, seguida por uma entrevista com o próprio premier, tem a manchete:
Lula da Silva deseja que Löfven dê testemunho sobre seu papel na venda do avião JAS
A Voz do “Cúmplice”
O Seguinte é um fragmento contínuo da entrevista realizada pelo jornalista Henrik Brandão Jönsson (nascido em Malmö, 1969), que é correspondente do DN no Rio de Janeiro, onde mora desde 2002.
Pergunta do jornalista do DN:
O procurador [brasileiro] argumenta que você [du] junto com Lula e com a então Presidente Dilma Rousseff se encontraram num hotel, em relação com o funeral de Nelson Mandela. Você fez isso?
– Não, essa informação é incorreta [felaktig]
DN: Completamente [helt] incorreta?
– É, eu não estive em nenhum quarto de hotel. Possivelmente eu os haja encontrado no contexto [samband] da cerimônia do funeral; essas coisas acontecem. Eles [as pessoas do funeral] dizem “oi” um ao outro, e havia um monte de pessoas aí. Mas, eu não estive em nenhum quarto de hotel.
DN: Afirma-se que você enviou um email a Lula e pediu um encontro.
– Nós fazemos isso amiúde no caso de grandes reuniões. Nós indagamos [enviamos indagações > skickar förfrågningar] se é possível nos encontrarmos, mas naquele momento eu não estive em nenhum quarto de hotel.
Conclusões
Apesar do mercantilismo bélico, a Suécia sempre aparece, desde o fim da Segunda Guerra, entre os cinco primeiros países em todas as avaliações de atributos positivos, por exemplo:
IDH, Direitos Humanos, democracia, secularidade, assistencialismo, transparência, liberdade sexual, ecologia, direitos femininos, direitos das crianças, educação, justiça salarial, saúde pública, tolerância e (apesar de tudo) pacifismo.
Foi o primeiro país em criar uma lei de imprensa em 1766, que inclui cláusulas do direito à informação (Habeas Data), um direito básico que o Brasil apenas adotou parcialmente em 1988. Além disso, Suécia possui a maior recepção de refugiados do planeta, e é o único país onde estes encontram plena integração. Porém, o que interessa em nosso caso é o índice de transparência.
Segundo a conhecida organização Transparency International, em 2002 o índice de transparência sueco era de 9,3 sobre 10, enquanto o do Brasil era de 4.0 sobre 1.0.
Escolhi esta data de comparação, porque esse foi o último ano anterior ao PT, e quero descartar qualquer suspeita sobre dados “maquiados”. No entanto, seria bom que o leitor consultasse no site www.transparency.org, onde aparecem todos os anos registrados até 2016.
As notícias colhidas no Brasil pela imprensa internacional mostram que os Zelotes AFIRMARAM, DE MANEIRA CATEGÓRICA, que essa “conspiração” realmente contou com a presença do Primeiro Ministro sueco, embora não oferecessem nenhum detalhe, como o nome do hotel e o número de quarto, que teriam sido fáceis de obter. Observe que Löfven repete três vezes que não esteve em nenhum quarto do hotel (något hotellrum).
O desespero por envolver Lula em qualquer ato de corrupção mostra algo mais que a politização da justiça. Há um profundo ódio contra as classes populares e um amor patológico pela baixaria que caracterizou a oposição na campanha eleitoral de 2014, e, sobretudo, as ações que conduziram ao golpe de 2016, com especial destaque para o delirante ato de barbárie na votação na câmara de deputados.
É uma pena que os juristas que com tanta perfeição mostraram a estreita colaboração entre Marx (nascido em 1818) e Hegel (morto em 1831) tenham cometido este ato de deselegância, que pode ofuscar sua excelência intelectual.
É verdade que o judiciário brasileiro, como enfatizou várias vezes The Guardian, é campeão em condenar sem provas nem indícios. Todavia, há uma diferença: no caso do mensalão, onde o arbítrio jurídico foi aplicado fartamente, os acusados eram pessoas pouco conhecidas a nível Internacional.
Esse não é o caso de Lula. Ele é muito respeitado no exterior, como ficou célebre naquela frase de Obama, que a mídia comentou como seu fosse uma ironia. Mas, o sarcasmo mais baixo foi o do soturno príncipe do tucanato, que num gesto de ódio típico, fez um comentário à altura de sua inteligência: “Obama diz isso a todos, mas só Lula acredita”. Qualquer pessoa que tenha acompanhado a trajetória do Obama perceberia que ele sempre foi muito discreto em seus elogios a outros líderes. Mas Lula também foi elogiado por Bush, se isso deixa contente à direita. Ele comentou sobre Lula:
“He not only has a tremendous heart, but he has got the abilities to encourage prosperity and to end hunger”.
Quando veio ao Brasil para apertura dos Jogos Olímpicos, o então premiê italiano Matteo Renzi teve a insólita gentileza de ser sincero: disse que a história seria gentil com Lula, e elogiou seus programas sociais.
No caso de Löfven, a situação é semelhante. Até a revista Época, vinculada com a rede Globo, publicou que o primeiro ministro (antigo operário metalúrgico) reconhece que Lula é sua inspiração.
Leia reportagem da Época Negócios
De qualquer maneira, os Zelotes não têm motivos para parar suas provocações internacionais. Eles têm grandes amigos, como Trump, e também os suíços, que ajudam na investigação porque não querem perder os futuros clientes em seus investimentos sigilosos.
No caso da Suécia, os Zelotes parecem não ter interesse em dar uma boa imagem, pois a opinião do primeiro ministro não terá nenhum efeito na classe média brasileira. Para esta classe social, que conhece de cor e salteado Miami, NY, Las Vegas, a Itália, o Vaticano, París, Portugal e o Caminho de Santiago, a imagem da Suécia é quase onírica.
Eles sabem que é um país gelado cujo único mérito é ter sediado o jogo onde Brasil ganhou sua primeira copa. De resto, é o habitat de um bando de excêntricos esquerdopatas, que concedem refúgio àqueles que os brasileiros lincham, que inventaram que o racismo é crime, e que levam a sério s democracia.
Na linha final da entrevista, Löfven rejeita a ideia de depor perante os Zelotes, e disse que o Brasil deve esclarecer o problema [får klara]. Não é temerário pensar que o ministro conheça (embora não possa manifestá-lo) a fama das instituições brasileiras. Com certeza, ele não quer enlamear sua reputação com algo que é, no melhor dos casos, uma farsa.