Edson Sardinha*
Da glória ao mais retumbante fracasso nas urnas em apenas quatro anos. Assim pode ser definido o desempenho eleitoral de um em cada seis deputados que perderam a reeleição no último dia 3. Dos 112 deputados que fracassaram ao tentar renovar o mandato, 18 naufragaram com menos da metade da votação obtida em 2006. Seis deles passaram por constrangimento ainda maior: receberam menos de um quarto dos votos conseguidos quatro anos atrás.
De uma eleição para outra, esses 18 parlamentares perderam 1,03 milhão de votos. Só um deputado teve votação superior a essa marca este ano, o palhaço Tiririca (PR-SP), que se tornou fenômeno eleitoral ao receber 1,35 milhão de votos. Outra curiosidade: a maioria desses deputados (11, ao todo) foi reprovada nas urnas ao final do primeiro mandato.
Veja a lista dos campeões dos votos perdidos
Na relação dos que tiveram menos da metade da votação, estão quatro deputados com candidatura contestada pela Justiça eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa e outros três que tiveram seus nomes associados, de alguma maneira, a denúncias recentemente.
Para o cientista político Paulo Kramer e o analista político Antônio Augusto de Queiroz, o fracasso eleitoral dos parlamentares deve ser analisado caso a caso. Discussão sobre a Ficha Limpa, desagregação da base eleitoral, desgaste causado por associação a escândalos políticos, dificuldade financeira, falta de campanha permanente e não cumprimento de interesses corporativos são alguns dos fatores que, segundo eles, ajudam a entender uma perda tão significativa de votos no período de quatro anos.
Os campeões em perda de votos foram dois deputados condenados este ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF): José Fuscaldi Cesílio, o Tatico (PTB-GO), que tentou a reeleição por Minas Gerais, e Zé Gerardo (PMDB-CE). O primeiro viu sua votação ser reduzida 175 vezes, e o segundo, 84 vezes. A assessoria dos dois parlamentares alega que eles desistiram da reeleição depois de terem sido barrados pela Ficha Limpa. O registro deles, no entanto, continuou ativo na Justiça eleitoral, já que os dois recorreram da decisão dos respectivos tribunais regionais eleitorais. Se tivessem obtido votação suficiente para a reeleição, poderiam até ser empossados conforme eventual decisão da Justiça.
Menos de um quarto
O argumento da desistência, no entanto, não pode ser usado por outros quatro deputados que não enfrentaram esse tipo de problema e voltarão para casa no início do próximo ano também levando consigo menos de 25% dos votos de 2006. São eles: a deputada Suely (PR-RJ) e os deputados Bernardo Ariston (PMDB-RJ), Bispo Gê Tenuta (DEM-SP) e Augusto Carvalho (PPS-DF).
Um dos principais líderes da Igreja Renascer em Cristo, Bispo Gê Tenuta foi eleito em 2006 com 86.939 votos. De lá pra cá, o deputado trocou o domicílio eleitoral e tentou sem sucesso renovar o mandato pela Bahia. Recebeu apenas 18.598 votos, um quinto da votação anterior.
“Em 2006, fui eleito pelo estado de São Paulo, por motivos ministeriais (no caso, o deputado refere-se às suas funções religiosas), já divulgados anteriormente. Há quase dois anos domiciliado no estado da Bahia, concorri ao pleito por esse estado, onde na cidade de Salvador obtive uma expressiva votação, mas infelizmente não alcancei o interior do estado”, disse o deputado em mensagem eletrônica enviada ao Congresso em Foco. Os outros parlamentares não retornaram o contato da reportagem.
Bispo Gê responde a quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Um deles se refere ao desabamento do templo da Renascer no bairro do Cambuci, na capital paulista, no início do ano passado. Mais de cem pessoas ficaram feridas e nove morreram no acidente. A igreja alega que foi uma fatalidade, mas o Ministério Público Federal sustenta que os dirigentes da instituição foram negligentes na manutenção das instalações do templo. Os fundadores da igreja, o casal Sônia e Estevam Fernandes, foram presos nos Estados Unidos, em 2007, após tentarem entrar no país com 10 mil dólares escondidos no fundo falso de uma bíblia.
Eleito com 79.235 votos há quatro anos, Augusto Carvalho recebeu apenas 18.893 votos no último dia 3. O deputado, que sempre empunhou a bandeira da ética e da transparência nos gastos públicos, teve seu nome envolvido nas denúncias da Operação Caixa de Pandora contra o governo José Roberto Arruda. Augusto não figurou entre os investigados, mas sua imagem ficou desgastada com denúncias envolvendo assessores da Secretaria da Saúde, pasta que ele comandou no governo Arruda.
Para Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), além do desgaste pela ligação com o ex-governador, Augusto Carvalho enfrentou outros dois problemas: a mudança de coligação (há quatro anos concorreu em aliança com o DEM; desta vez, aliou-se ao PT, que elegeu três deputados) e a concorrência na mesma faixa de eleitorado com o campeão proporcional de votos no país, José Antônio Reguffe (PT-DF). “O Augusto encontrou no Reguffe um concorrente com perfil e discurso parecidos com o dele, mas só que em melhores condições. Isso fez com que os votos dele migrassem”, avalia o diretor de Documentação do Diap.
E o castelo caiu
Entre os parlamentares que perderam mais da metade dos votos, há outro deputado que teve o nome associado a escândalo político recentemente. Conhecido como “o deputado do castelo”, Edmar Moreira (PR-MG) escapou da cassação no Conselho de Ética ano passado, mas não da condenação das urnas: os 93.360 votos obtidos por ele em 2006 minguaram para 45.576, votação insuficiente para lhe garantir o quinto mandato consecutivo.
“Quanto mais recente é o escândalo, maior o impacto dele na eleição. Menos sanguessugas se reelegeram do que mensaleiros em 2006 porque o caso da máfia das ambulâncias estava mais fresco na memória do eleitor do que o do mensalão, que foi anterior”, observa o professor Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UnB).
Dono de um castelo avaliado em R$ 25 milhões, Edmar Moreira renunciou à segunda-vice-presidência da Câmara no início de 2009, acusado de ter destinado R$ 140 mil da chamada verba indenizatória para empresas de segurança de sua propriedade. Os integrantes do Conselho derrubaram o relatório do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), que recomendava a perda do mandato do parlamentar mineiro por quebra de decoro.
Julgamento das urnas
Condenado cinco dias antes da eleição a sete anos de prisão em regime semiaberto, o deputado Tatico recebeu somente 481 votos. Em 2006, o petebista foi eleito com 84.633 votos (uma votação 175 vezes maior do que a registrada no início de outubro). Primeiro parlamentar condenado à prisão pelo Supremo, Tatico foi considerado culpado pelos ministros de ter cometido os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária.
O deputado por Goiás buscava o terceiro mandato por unidade federativa diferente. Na legislatura passada, ele foi parlamentar pelo Distrito Federal. A votação dele estava sub júdice, porque o petebista foi barrado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) com base na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10). O parlamentar recorreu da decisão. Ele teve seu diploma de deputado cassado pelo TRE de Goiás, condenado por fazer uso de caixa dois em sua campanha. Tatico se mantém no cargo graças a liminar do Supremo.
De acordo com o chefe de gabinete do deputado, Ricardo de Oliveira, Tatico abriu mão da reeleição quando viu que o cenário lhe era totalmente desfavorável. “Na verdade, quando o deputado viu que não reverteria sua situação por causa da Lei da Ficha Limpa, ele, na prática, desistiu da sua candidatura”, disse Ricardo. “Não foi em Minas, não fez campanha, não imprimiu material, não apareceu na propaganda de TV”, continua. “Por isso é que só teve 481 votos. Se ele tivesse aparecido por lá, mesmo com a ficha limpa, teria mais de 200 mil votos”, acredita o chefe de gabinete.
Em maio, Zé Gerardo se tornou o primeiro parlamentar brasileiro a ser condenado pelo Supremo. Acusado de ter cometido crime de responsabilidade quando era prefeito do município de Caucaia (CE), o peemedebista foi condenado a dois anos e dois meses de prisão em regime aberto, mais multa. Porém, os ministros resolveram alterar parte de pena para prestação de serviços.
Os 185.925 votos que o deputado recebeu em 2006 foram reduzidos a apenas 2.199 nesta eleição. Segundo o gabinete do deputado, Zé Gerardo abriu mão da reeleição em agosto e passou então a pedir votos para o filho, José Gerardo Corrêa de Arruda (PMDB), de 21 anos. A estratégia, parecida com a adotada pelo ex-governador Joaquim Roriz (PSC) no Distrito Federal, surtiu efeito.
Em sua primeira eleição, José Gerardo conseguiu 66.144 votos, herdando boa parte do espólio eleitoral do pai. O jovem não foi eleito, mas teve votação suficiente para se classificar como o terceiro suplente de sua coligação, condição favorável para que ele exerça o mandato por algum período nos próximos quatro anos.
*Colaborou Mário Coelho
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